Está de volta à TV Globo a minissérie Hoje é dia de Maria, escrita por Luiz Alberto Abreu (baseado num projeto criado por Carlos Alberto Soffredini) e dirigida por Luiz Fernando Carvalho. A primeira temporada ocorreu em janeiro deste ano, e teve uma tal resposta de público e de crítica que a Globo decidiu repetir a dose. A julgar pelos episódios iniciais, existe uma enorme continuidade com o que foi visto na primeira série, o bastante para dar ao espectador aquela sensação agradável de gostar de novo do que já gostara; e existe novidade bastante para acender seu interesse e mantê-lo ligado na história.
A primeira grande variação é que a primeira série era toda ambientada no mato, e esta leva Maria para uma cidade surreal, onde ela passa por aventuras muito diversas das que enfrentara da vez passada. No primeiro episódio, exibido terça-feira, roteirista e diretor põem um pé na ficção científica, ao mostrar um gigante metálico adormecido (cuja boca, ficamos sabendo, engole todo o lixo produzido na cidade); um binóculo de prismas que transporta Maria, através do olhar, para a cidade mecanizada; dançarinas andróides num night-club freqüentado por bonecos de papel machê; uma cabeça mecânica que fala sozinha; e uma infinidade de outros pequenos e brilhantes achados de roteiro e cenografia que criam um universo feérico, lembrando certas histórias de Ray Bradbury ou o mundo cyborg visto pelos olhos de uma criança em Inteligência Artificial.
Todo crítico se sente na obrigação de comparar cada obra nova com outras obras que já conhece (por algum obscuro senso de compromisso moral, de estar pagando uma dívida). Digamos então que a minissérie dos dois Luiz tem algo do clima de O Mágico de Oz e de Alice no País das Maravilhas, seguindo uma garotinha meio perdida (mas que nunca se dá por achada) no meio de um mundo fantástico, em que cada nova criatura ou ambiente nos deixa em dúvida se está trazendo um perigo, uma tentação, uma ameaça ou um pedido de socorro.
Luiz Fernando Carvalho domina com mestria o realismo narrativo, mas a série de trabalhos que tem dirigido para a Globo no gênero fantasia (Auto de N. S. da Luz, Farsa da Boa Preguiça, a primeira Maria) mostra que ele também sabe o que faz nesta outra direção. Maria tem um brilhantismo visual que deve muito ao Grupo de Bonecos Giramundo e às marionetes de Catin Nardi. Figurinos, direção de arte, adereços, criaturas mecânicas, tudo guarda o clima delirante e saborosamente anacrônico de alguns filmes de Tim Burton, Terry Gillian ou da dupla Jeunet & Caro (Delicatessen, Ladrão de Sonhos). Ao que parece, televisão foi feita para isto: para passar seis meses produzindo com carinho e minúcia um trabalho que fica uma semana em cartaz. Para ter o direito de ver obras assim, a gente engole em seco e se conforma com o fato de que sem as novelas, as intermináveis, ralas, redundantes novelas, nenhuma TV se manteria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário