(Viggo Mortensen em Appaloosa)
Não pensem que estou sendo irônico (embora esteja), mas tenho uma admiração danada por esse pessoal que vai votar NÃO no referendo sobre a proibição das armas. A Bancada da Bala, os deputados favoráveis às armas, trabalham para que a população continue armada até os dentes. Outra força importante é o “lobby” dos fabricantes de armas, anunciantes de peso em revista como Veja (uma revista que tradicionalmente faz propaganda de armas de fogo, motosserras, etc.), e que estão apostando todos os seus trunfos neste referendo para transformar de vez o país numa imensa Bagdá. Eu, não. Eu acho que a culpa é de Guimarães Rosa.
Trata-se de uma sinédoque, na verdade: estou usando a parte pelo todo. Quando digo “Guimarães Rosa” estou me referindo não ao Mestre propriamente dito, mas a toda a mentalidade rural, guerreira, desbravadora, faroéstica, que teve e tem tanta influência na nossa formação. Nós, nordestinos, somos especialmente vulneráveis a ela, haja visto o fato de que temos Lampião e Corisco como heróis, e não como bandidos. Cultivamos a crença, em alguma região de nossa massa encefálica, de que homem que é homem parte pra cima. Até mesmo nós, os escritores pacifistas e democratas, que costumamos atribuir a violência de nossas sociedades a Rambo, a Arnold Schwarzenegger, a Van Damme. Ponhamos a mão na consciência, coleguinhas: não somos nós os mesmos que reverenciamos os faroestes de John Ford e Sam Peckinpah, os filmes de samurai com Toshiro Mifune, as novelas jagunças de Mestre Rosa?
Deve ter algo a ver, sim, com índices de testosterona, porque nenhum de nós, numa platéia, fica indiferente a um tiro certeiro ou a um murro bem dado. Aquilo parece uma maneira profundamente satisfatória de resolver um impasse. O problema é o fato de que quando a gente quer parar não pode mais. A violência é sempre o derradeiro recurso; quando ela começa, todo o resto fica cancelado. Eu nunca vi dois sujeitos passarem meia hora discutindo, depois se atracarem aos socos, e depois pararem a briga e voltarem a discutir. Quando o bofete fala no centro, desativa todos os outros programas.
A violência é atrativa porque ela corta o nós-górdios que a inteligência não conseguiu desatar. Em vez de resolver o problema, eliminamos o sujeito que o representa. Depois deste, é claro, virá outro, e depois mais outro, até que o eliminado sejamos nós. Guimarães Rosa dizia (estou citando de memória): “O sertão é assim. Deus mesmo, quando vier, que venha armado. E bala é um pedacinhozinho de metal”.
Pode ser que Deus esteja vindo, e vindo como o Deus dos Exércitos do Velho Testamento, por entre um ratatá de helicópteros e metralhadoras e a trilha sonora da “Cavalgada das Valquírias”. Pode ser que o mundo esteja se encaminhando para a conflagração final do Armagedon, e que tenhamos de puxar a arma para justificar nossa presença aqui. Pode ser. Mas eu acho que não; e voto “Sim”.
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