Eu estava conversando com amigos sobre momentos históricos que tínhamos presenciado sem lhes dar, no momento, a devida importância. Falávamos do rock brasileiro, e cada qual trazia suas lembranças. Eu lembrei que estava presente ao show de Caetano Veloso no Canecão quando ele cantou ao violão “Todo amor que houver nesta vida”, disse que Cazuza era um poeta fenomenal, e praticamente deslanchou ali a carreira do Barão Vermelho. Vi Cazuza e o Barão cantando Bete Balanço no Morro da Urca quando o filme de Lael Rodrigues tinha acabado de entrar em cartaz. Dei uma entrevista num programa de TV em São Paulo na mesma noite em que um jovem guitarrista chamado Lulu Santos também era entrevistado, lançando seu primeiro elepê.
Eu estava no Circo Voador na noite em que Tancredo Neves foi eleito no Colégio Eleitoral; foi logo após o Rock in Rio 85, e vi James Taylor cantando para um Circo onde tinha gente pendurada até no teto, e vi quando um idiota jogou uma lata de cerveja no gringo e quase foi linchado. Também no Circo Voador vi Renato Russo cantando “Come Together” e percebi que afinal de contas eu não era tão velho assim. Vi os Titãs tocando na boate Mamute da Tijuca, no que talvez tenha sido seu primeiro show no Rio, quando seu grande sucesso era “Sonífera Ilha”.
Momentos históricos? Em retrospecto, sim, porque é só em retrospecto que a História existe. Joguei no ar umas lembranças, meus amigos jogaram as deles, elas foram se entrecruzando umas às outras e se encorparam num tecido de vivências recíprocas, de memória coletiva, e só este tecido é que nos produzia a sensação de ter presenciado a História. Nossas recordações pessoais não são História, são a mera lembrança de uma noite em que a gente saiu para se divertir e viu uns caras tocando, tirando um som legal.
A História é como algodão-de-açúcar (que os cariocas chamam algodão-doce). Vocês lembram como se faz algodão-de-açúcar. Aquele troço quente vai girando, girando, queimando o açúcar, e os fiozinhos brancos vão aparecendo magicamente no ar, se entrecruzando, formando uma teia suspensa entre as paredes curvas de metal. Essa teia vai ficando mais espessa, até que uma nuvem branca se materializa ali, parecendo brotar do nada. Quando ela está sólida a ponto de poder ser cortada de faca, o cara corta um pedaço pra gente, pega ele com o auxílio de um quadradinho de papel-de-embrulho, e nos entrega: “É um cruzeiro...” A gente morde: o algodão-de-açúcar está quente, pegando fogo, mas se derrete na boca da gente como se fosse um sorvete. Assim são as memórias do rock. É tudo muito efêmero, tudo muito voltado para o momento a ser vivido, sem dar a mínima para a posteridade. Quem transporta aquilo para a posteridade somos nós, que ficamos décadas depois tentando explicar às pessoas a natureza estranha desse remédio contra a melancolia, desse sorvete quente que ao se desmanchar na nossa boca deixa uma boca um pouquinho mais feliz, e mais nada.
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