A obra de Jorge Luís Borges vem sendo editada no Brasil com uma minúcia digna de aplausos, mas ainda espero ver à disposição do leitor brasileiro um livrinho que tenho achado essencial para entender o escritor argentino. Trata-se de Textos Cautivos (Madrid, Alianza Editorial, 1998). É um volume de bolso, com 342 páginas, que reúne os textos publicados por Borges entre 1936 e 1939 na revista El Hogar de Buenos Aires. Neles já estão presentes as idéias e as influências do futuro ficcionista: a noção da metafísica como literatura, as indagações sobre o Espaço e o Tempo, a identificação com a novela britânica e com os romances policiais. São 13 pequenos ensaios sobre temas gerais, 48 biografias sintéticas de escritores que vão de Benedetto Croce a Virginia Woolf, 130 resenhas de obras variadas, e 16 fragmentos curtos.
O livro dá uma visão geral de Borges no momento decisivo de sua vida. Àquela altura, ele era conhecido como poeta, e já tinha publicado alguns de seus melhores livros de ensaios (Discussão, História da Eternidade). Em 1938 seu pai morreu, deixando-o (pelo menos nominalmente) como o chefe da família; e no Natal daquele ano Borges sofreu um acidente, um corte na cabeça que infeccionou, deixando-o por duas semanas em perigo de vida. Estes fatos podem ter contribuído para que, ao se dedicar à prosa de ficção a partir daí, ele tenha concentrado nela todo o seu projeto literário – com os resultados que já sabemos.
Um mito que estes artigos desmontam é o de que Borges era um leitor preguiçoso, que não gostava de ler romances. Ele se queixava, com certa ironia, de não ter podido ler até o fim Madame Bovary ou Os irmãos Karamazov; dizia ser um leitor de contos, tendo lido alguns poucos romances “apenas por um senso de obrigação”. Tenho visto esta citação sendo repetida a torto e a direito, e gostaria de fazer-lhe uns pequenos reparos. Vejo, por exemplo, o que diz Borges em 19 de maio de 1939 sobre o romance policial The Four of Hearts de Ellery Queen: “Li em duas noites os vinte e três capítulos que compõem ‘The Four of Hearts’ e nenhuma de suas páginas me entediou”. Comentando o romance sentimental Maria do colombiano Jorge Isaacs, ele contesta os críticos que consideram o romance ilegível, e depõe: “Só posso dar meu testemunho de haver lido ontem sem dor as trezentas e setenta páginas que o compõem, suavizadas por gravuras em zinco. Ontem, no dia vinte e quatro de abril de 1937, das 2:15 da tarde às 8:50 da noite, o romance Maria era bastante legível.”
Borges era um leitor capaz de devorar romances populares e obscuros tratados metafísicos em alemão ou latim, mas desistia, impaciente, na metade de alguns clássicos do romance psicológico e realista. Longe de ser um leitor preguiçoso, era um leitor calejado e, ao que parece, com aquele imenso poder de concentração mental reservado aos míopes e tímidos. Um leitor temível, a quem não era fácil agradar.
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