quarta-feira, 5 de novembro de 2008

0635) A culpa é da cerveja (1.4.2005)



Se juntassem toda a cerveja que eu já bebi, e a derramassem toda num só lugar, resultaria em algo parecido com o Mar Cáspio ou o Lago Titicaca. E não me arrependo, porque devo a esta simpática bebida alguns dos momentos mais agradáveis que já vivi. Não por causa dela propriamente dita, mas porque beber cerveja sempre foi para mim um mero complemento da presença de amigos, amigas, violão, muita conversa, muita alegria de viver. A cerveja é como o celofane e a fita colorida no presente de Natal: ajuda a criar um clima, mas não é A Coisa Em Si.

Compulsando velhos cadernos meus, encontrei uma estatística interessante, do tempo de quando o Brasil vivia naquela inflação desesperadora. Toda vez em que eu mexo nesses papéis antigos, eu encontro aqueles cálculos domésticos de fim-de-mês. E está lá: “Aluguel, 15 milhões. Luz, 2 milhões e 500. Gás, 1 milhão e 800. Supermercado, 12 milhões e 300”. E assim por diante. E não me perguntem a moeda: era cruzado velho, cruzeiro novo, sei lá o quê.

Vai daí que para me lembrar do valor das coisas eu associava produtos. E essa anotação que achei era um parâmetro para fixar preço de show. Em 1990-e-pouco eu fiz dois shows na Paraíba, um no Paulo Pontes e outro no Teatro Municipal em Campina. E anotei: “O ingresso custa o mesmo que uma passagem Campina-João Pessoa e que uma cerveja em garrafa”. Quanto seria um ingresso de show hoje? Uns 15 reais. Quanto está a passagem da Real? Da última vez que viajei, estava a uns 12. E agora me respondam quanto custa num bar da Paraíba uma garrafa de cerveja.

Não há coisa mais barata do que cerveja. Aquela latinha pela qual você paga 2 reais num show de rock custa 0,70 no supermercado. Vejam esta resultado da Pesquisa Industrial Anual de Produto (PIA/Produto), feita em 2001. Ela fornece uma lista com os 100 produtos mais vendidos no país. A cerveja, em 1980, estava em 41o. lugar; em 2001 tinha passado para quarto. A substituição da velha garrafa (“leva ali dez cascos na bodega...”) pela latinha contribuiu para este salto, mas acima de tudo eu acho (isto aqui é mera suposição minha) que o que houve foi uma enorme “expansão da base consumidora”.

Qualquer pirralho de 14 anos hoje em dia já está encarando uma desce-redondo, uma boa ou uma número um. No país da economia informal, muita gente descobriu que comprar latinhas a menos de um real e vender pelo dobro é bom negócio, quando você leva um isopor prum show de rock e vende 200 numa noite. Milhares de pais e mães de família sobrevivem catando latinhas de alumínio para reciclagem. Isto é o lado positivo desta curiosa situação econômica em que aumenta a demanda de um produto e o preço, em vez de subir, cai. Se me perguntassem: “Queres um Ministério? Queres uma ilha no Caribe? Queres um campo de petróleo no Oriente Médio?”, eu responderia: “Não quero nada disso, ó tetrarca. Eu quero uma cervejaria, e todo esse resto vem na seqüência”.

3 comentários:

tibor disse...

Toda a cerveja que tomei na vida daria para encher uma piscina média. E não me arrependo... Já as caipirinhas... bem, as caipirinhas (tanto com Cachaça quanto com Vodka ou Rum - essa menos) encheriam uma área semelhante ao lago Titicaca...rs

Félix Maranganha disse...

Como sou de beber pouco, minhas cachaças encheriam apenas uma piscina de criança, e as cervejas não dariam um barril completo.

Falando nisso, quero usar uma frase sua (texto sobre internet, mais embaixo) como epígrafe. Tenho sua permissão?

É para abrir um próximo texto no meu blog (http://maranganha.blogspot.com)

Anônimo disse...

Olá Bráulio,

Primeiramente, preciso entrevistá-lo para o site www.naturaelenine.com.br Vamos conversar?

Segundamente, derramados três anos, não quero supor em que mar ou lago você navegaria.

Terceiramente, um grande abraço

marcoamiguel@gmail.com