Todo ano agora tem cinquentenário de um discos dos Beatles, dos
Rolling Stones, de Bob Dylan e por aí vai. Este ano é o Nashville Skyline de Dylan que tem aparecido em algumas revistas e
saites. A Stereogum teve a idéia de entrevistar cinco fotógrafos que fizeram
trabalhos historicamente importantes na carreira de Dylan, e pedir alguns
comentários de como foram as coisas com o notoriamente complicado cantor.
O primeiro deles é Rowland Scherman, autor da famosa foto
P&B de Dylan e Joan Baez sentados, fazendo um número acústico. Mas a que
emplacou mesmo foi a foto azulada em contraluz destacando o cabelo revolto e o
gesto de levar a gaita à boca; virou a capa do Bob Dylan's Greatest Hits (1967).
Essa foto tem a ver com uma que coube a Jerzy Schatzberg
clicar. Schatzberger, que é também diretor de cinema (O Espantalho, com Al Pacino, etc) parece ter ficado mais à vontade
do que muitos outros. Ele emplacou uma foto borrada na capa de um álbum duplo,
coisa rara com uma gravadora: a foto de Dylan com casaco marrom na capa de Blonde On Blonde (1966).
Acho que naquele tempo emplacar uma foto borrada na capa de um
disco era da parte de Dylan uma demonstração de poder semelhante à de ocupar um lado inteiro do elepê com uma única canção, como fez justamente nesse
disco.
Diz Schatzberg que tremeu o tempo todo, porque fazia um frio de
rachar e ambos tinham saído andando por Manhattan em casacos leves. Vi num
saite certa vez uma nota comentando que Dylan usou o mesmo casaco marrom em
três capas sucessivas, que seriam Blonde
on Blonde (1966), John Wesley Harding
(1967) e Nashville Skyline (1969).
A esta altura já devem existir vários saites só para pesquisar se o detalhe é
vero.
Jimmy Watchell fez a foto de capa da ótima coletânea de canções
tradicionais, Good As I Been To You. A
relação foi mais seca, mais profissional, até porque ele, para não perder a
chance, pegou emprestada uma câmera que não sabia usar direito. Chegou a
emprestar a Dylan a camisa da foto, e depois deixou-a de presente para o
cantor.
Paul Till fala
sobre a capa de Blood On The Tracks (1975).
É
uma foto de textura estourada, cor saturada, cheia de efeitos. Fiquei sabendo
que foi feita num show ao vivo no Canadá, quando o fotógrafo tinha 20 anos. Ele
confessa que bateu um rolo de negativo inteiro e a única foto que prestou foi
aquela. Ele ampliou, trucou, aplicou efeitos sobre a foto. Mandou para Dylan e
a gravadora concordou em botar na capa. Uma certa façanha.
O último fotógrafo a falar é Elliott Landy, e para mim foi um
alívio saber que ele existe. Pela peculiaridade do sobrenome, pensei que talvez
fosse um dos heterônimos de Dylan, trocando as sílabas como em qualquer argot e dando um toque no chapéu para T.
S. Eliot. Não, apenas isto: Landy existe mesmo, e fez a famosa capa de Nashville Skyline (1969), segundo ele a
primeira foto de peso em que Dylan aparece sorrindo.
Dylan era descrito por muita gente (nessa época) como um
super-star estressado e sardônico, brilhante e mimado. Não se sabe até que
ponto tudo isso é verdade, mas o álbum NS
marca uma nova e imprevisível guinada de Dylan, deixando o rock na saudade como
já deixara a canção de protesto ao trocá-la pelo rock. Concomitantemente,
abandonara o sneer de Manhattan,
aquele contraída nasal de desprezo que passa às vezes por sorriso.
Eu misturo um pouco as cronologias dessa época porque vários
desses discos não foram lançados no Brasil senão muitos anos depois. É o caso
de John Wesley Harding, anterior a NS, mas que só vim conhecer por inteiro
uns quinze anos depois.
O mesmo aconteceu com a enciclopédia da memória profunda norte-americana
que são The Basement Tapes (1975),
complementado por faixas “bootleg” tornadas oficiais muitos anos depois. Nesta
fase em que se juntou com The Band, Dylan fez uma pós-graduação em folk-songs
de variadas procedências e feitios. Esta fase produziu coletâneas
desconcertantes como Self Portrait
(1970), mas também duas coletâneas perfeitas, de canções fortes, bem cantadas,
bem tocadas: Good As I Been To You
(1992) e World Gone Wrong (1993).
Landy diz que para Nashville...
estavam fazendo uma sessão de fotos
na casa de Dylan em Woodstock. O chão estava molhado e Landy acabou se apoiando
na grama úmida. Dylan sugeriu o chapéu, e depois com um aceno convidou o
fotógrafo a bater uma chapa, como se dizia naqueles tempos. E a foto saiu
perfeita.
Landy faz um comentário interessante em seguida. Diz ele: “Toda
resenha do álbum falava do sorriso na capa. Ninguém falava da fotografia. Para
mim, isso é um requisito da boa foto. O meio usado deve ser invisível”. Para Landy, captar um sorriso de um astro
sisudo e arredio revelava uma espontaneidade que valia dez laboratórios. É o
contrário da foto de Paul Till para Blood
on the Tracks. Efeito puro, manipulação lúdica, 100% laboratório.
Talvez haja um paralelo de estilos na discografia de BD. Na fase
roqueira, fotos cheias de gimmicks
cenográficos ou cromáticos; na fase country,
retratos em foco, parecendo gente simples, saturados de empatia. Neste sentido,
a música country sempre me pareceu
mais próxima da canção de protesto do que do rock; mas a realidade de lá pode
ser outra, vai ver que o country se
quer roqueiro também.
Cinco fotógrafos interessantes, senti falta apenas de Daniel
Kramer, que tem pelo menos um ótimo livro cheio de fotos da fase "Cate Blanchett" do elusivo menestrel.
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