quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

4427) Sete Coisas que eu Aprendi na Literatura (24.1.20190


(na foto: John Fowles)

1. Pare e analise.

Quando ler, num livro qualquer, alguma coisa que achar muito boa, pare de ler, releia, e pergunte a si mesmo: “Por que é que isso é bom?”  Quando ler algo e achar muito ruim, pare de ler, releia, e pergunte: “Por que é que isso é ruim?” Anote suas respostas e não esqueça.

Por que digo isto?

Porque de certa forma um dos objetivos da literatura é produzir aquela primeira reação, e evitar a segunda.

Houve um tempo em que a literatura era feita em função do autor: o autor estava escrevendo para meramente dizer o que pensava, e o leitor tinha que ler aquilo de forma respeitosa, obediente, eu diria quase reverente. Magister dixit. O mestre falou e tá falado.

Com a industrialização da literatura, principalmente a partir dos anos 1800, essa equação se inverteu parcialmente. Surgiu uma faixa da literatura em que o importante era o que o leitor estava sentindo. O importante era produzir emoções ou idéias no leitor, e o escritor tinha que se dobrar a esse imperativo.

Paul Valéry via em Edgar Allan Poe o grande exemplo dessa literatura voltada para o efeito a ser produzido no leitor. Toda a teoria poética e contística de Poe se baseia nisso.

Portanto... analise o efeito que o autor, qualquer que seja ele, bom ou ruim, produziu em você. Era esse efeito que ele estava tentando? Ele conseguiu? Por que conseguiu? Por que não conseguiu? Que recurso ele usou? Que outros exemplos desse recurso você é capaz de produzir? E assim por diante.


2. Há coisas essenciais e coisas negociáveis. 

Imprima o que escreveu e vá relendo. Sublinhe as palavras, as expressões e os trechos que você considera essenciais, o que em hipótese alguma podem ser mudados sem prejudicar a história. Depois, faça uma revisada no restante – cortando, reduzindo ou modificando.

Toda versão de um texto tem coisas essenciais e coisas negociáveis. Até mesmo textos definitivos, publicados, impressos. Se Shakespeare ou Cervantes ressuscitassem hoje, seriam capazes de apontar nas obras deles mil frases que poderiam ser mudadas sem prejuízo algum.

É muito raro o livro onde nada pode mais ser mexido. (Não conheço nenhum – estou deixando a ressalva porque não é cientificamente impossível que exista.)

Eu adquiri esse costume quando fazia letras de música com meus parceiros. Eu avisava: “Olha, a frase tal, a rima tal, o verso tal, não mexa de jeito nenhum senão estraga tudo. Quanto aos outros trechos da letra, se tiver uma idéia melhor, mande brasa.”



3. Lápis e papel no bolso.  

Algumas das melhores idéias vêm quando você não pode anotá-las. Você pensa: “Não faz mal, chegando em casa eu vou lembrar tudo.”  Não vai.

Alguns vão lembrar, porque são obsessivos memorizadores. Ou então são como Fernando Pessoa, que era capaz de compor um soneto de estranha calma enquanto corria por uma calçada de Lisboa, sob trovoada e aguaceiro.

Escrever é, em mais de um sentido, um estado alterado de consciência, e  isso diz respeito ao jeitão do talento de cada um.

Para quem é criativo, e tem seus truques, registrar idéias é uma necessidade, porque idéias novas não param de chegar. É bom tomar notas. Nossa mente criativa é meio metida a besta e às vezes descarta por centavos alguma frase que bem empregada renderia uma pequena fortuna.

Lápis e papel, sempre (ou tablet, ou celular, ou qualquer recurso que permita escrever textos curtos). No ônibus, no metrô, no engarrafamento, na fila do banco, na sala de espera do dentista, na espera do bar ou do restaurante, na porta do colégio esperando as crianças. Lápis e papel, sempre.

Mostre somente o que prestar.



4. Visualize os personagens.  

Muitos leitores têm uma espécie de repositório mental de tipos humanos. Isso é formado por sedimentação, anos afora, pelo cinema, a literatura, as narrativas modernas em geral.

Projetar seu personagem numa pessoa conhecida ajuda a imaginar ações e sentimentos plausíveis para ele. Use seu tio, sua prima, seu vizinho, um ator ou atriz de cinema...

Descreva deles apenas o necessário; mas pense nessas pessoas quando pensar nas cenas. Ninguém vai saber que o capitão da espaçonave foi inspirado num professor seu, ou que a mulher fatal é a síndica do seu prédio.

Muita gente faz isso. Às vezes eu estava lendo um livro de autor dos EUA, tipo um thriller policial contemporâneo, aí quando via a descrição do agente da CIA pensava: “Já sei, o autor está visualizando Yaphet Kotto”.

Ninguém vai saber que aquela elfa é Cora Coralina, ou que aquele carrasco da corte é Buster Keaton. Você imagina, você descreve de maneira sintética, mas ao visualizar a cena tem essa figura em mente. Isso ajuda a imaginar com mais espontaneidade os gestos, a linguagem corporal, as reações do personagem.


5. Faça escaleta.  

Um dos maiores bloqueadores da escrita é não saber o que vem em seguida. Todo escritor de pulp fiction, por exemplo, já escreveu algum fim de capítulo com o desfecho de um violento tiroteio, do qual o herói e sua companheira de aventuras escapam por pouco. E agora?

As situações se repetem e é preciso introduzir algo novo em cada reedição. Quando se trabalha com repertório de gêneros bem populares, como a FC e o horror, o policial detetivesco, etc., a primeira coisa é ter uma história que atraia e segure o espectador de alguma maneira.

A primeira regra básica acho que é: tenha sempre alguma coisa nova a oferecer, uma idéia, um diálogo, uma esperteza, uma reviravolta, uma coisa que possa evitar que as histórias vão todas na mesma direção.

Raymond Chandler, com algum cinismo, dava sua receita: “Quando não souber o que vai acontecer em seguida, faça a porta ser arrombada e por ela entrar um cara de revólver em punho.”

Faça um resumo, item por item, do que vai ocorrer em cada capítulo. Tenha a sequência dos acontecimentos numa lista. Às vezes, se um item estiver dando muito trabalho, é possível pular para o próximo, e depois voltar e completar o que faltou.

Digamos: Cena 43, casal sem grana em crise. Longa discussão entre os dois; decidem que ele vai sair para pedir grana emprestada a um primo. Cena 44: o primo se nega a emprestar. Cena 45: o cara volta e os dois recomeçam a briga. Você pode escrever de uma vez só as cenas 43 e 45, para não sair do clima, e mais adiante escreve a outra, da qual só importa a negação do empréstimo.

A escaleta não tira o prazer da descoberta e o susto da informalidade. A gente deve sempre estar aberto para o imprevisto, o improviso, o acaso. Mas ao mesmo deve deve ter sempre uma noção clara de que uma história está sendo contada, e quem quiser acompanhá-la é só prestar atenção.

A regra é: Deve-se sempre planejar, deve-se sempre estar aberto para o improviso.



6. Descubra que tipo de escritor você é.

As fórmulas alheias, as técnicas alheias, os conselhos alheios, tudo isso pode ou não lhe servir. Mas eu acho que o fato de ter curiosidade a esse respeito é um bom sinal.

A escrita de cada um é uma consequência do modo como a mente de cada um trabalha.

O escritor tem que se analisar ao longo da vida e ver em que condições (pessoais, de horário, de ambiente, de método) produz mais e melhor.

Hemingway escrevia em pé, Stevenson escrevia deitado. Kerouac dedografava rolos de papel intermináveis, e Chandler compunha seus parágrafos em pequenas fichas pautadas.

O que serve pra um não serve necessariamente para o outro.

Ver a variedade dos gostos alheios, e os eventuais resultados positivos, pode dar a alguém a sensação agradável de que pode ser ele mesmo ou ela mesma sem que o mundo necessariamente se acabe.


7. Aposte sua vida.

Se quer ser escritor de verdade, não fique fazendo pastiches, ou imitando seus autores preferidos, ou piscando o olho para uma turminha de amigos através de graçolas ou citações. Ou você bota sua vida num prato da balança, ou é melhor ir ler os livros de quem o fez. (Eu faço as duas coisas, de acordo com as marés.)







3 comentários:

Paulo Esdras disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Esdras disse...

Muito bom, Mestre! Antes eu seguia como escritor jardineiro (plantava e via o que nascia), mas aprendi a planejar com escaleta e ajudou muito, pois mesmo assim as plantas não pararam. Abraços fraternos. Paulo Esdras

Braulio Tavares disse...

Paulo, acho que o planejamento (em se tratando de histórias de ficção, contos, romances, roteiros, etc.) ajuda bastante e até auxilia a criatividade. A gente resolve os problemas mais espinhosos, e deixa para criar livremente (prosa, diálogos, etc.) dentro de situações que já foram resolvidas. Um abraço.