segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

4426) "O Labirinto do Fauno" (21.1.2019)



Escrevi alguns dias atrás neste blog um artigo chamado “A Lenda do Barco Fugitivo”, onde lembrava o antigo motivo dramatúrgico da fuga da masmorra através de um objeto mágico ou de um desenho na parede do cárcere.

Me chamaram a atenção, numa rede social, para o fato de que o filme de Guillermo del Toro O Labirinto do Fauno (2006) usava esse recurso. Palavras não foram ditas e eu já estava vendo o filme no Netflix.

É um bom filme fantástico. Recorre de maneira bem pessoal às fórmulas e aos clichês de algo tão coletivo quanto as narrativas mitológicas e os relatos da resistência contra a Guarda Civil do General Franco.  

Quando a história começa, fim da II Guerra Mundial, na Espanha, o mundo está politicamente cindido em dois grupos, numa situação de não haver diálogo possível. A menina Ofélia está entre os militares franquistas que obedecem a seu pai adotivo, e os guerrilheiros protegidos pela criada de bom coração. Ela opta por quem a trata bem.

Ao se refugiar no mundo fabuloso dos livros de contos de fadas, ela recebe um mistério, um desafio, uma prova, um game, seja lá o que for. Um conjunto de situações onde ela tem que provar ser capaz de entender instruções complexas e executá-las, de encarar tais e tais esforços físicos, coisa e tal.

O filme de Guillermo del Toro tem algo de Buñuel, algo de Carlos Saura, e curiosamente ele é por sua vez referido em séries recentes como El Ministerio del Tiempo (Espanha), que inclusive reconstitui um poço em espiral bem semelhante ao deste. Não deixa de ser (por mera contiguidade) o mesmo poço em espiral da trilogia Comando Sul, de Jeff Vandermeer, principalmente no primeiro livro, Aniquilação.

O poço circular, com escada em espiral, que desce rumo às profundezas desconhecidas da Terra está se tornando um “ícone visual”, como diz a imprensa, com certa rapidez.

As tarefas que a garota recebe e as últimas palavras do médico ao general nos deixam pensando sobre a importância de obedecer.

A importância relativa de obedecer. É uma virtude, o ato de obedecer? É essencial obedecer cegamente, firmemente, inatacavelmente a uma ordem que se recebeu? E quando uma pessoa diz: “Parei aqui, estou obedecendo a algo que me parece acima de nós dois, maior que nós dois. Não farei o que estão me ordenando”?

O caudilho típico só consegue pensar em termos de nós contra eles. O Coronel Vidal do filme é um vilão com seu momento de Coringa, o que reforça o que ele tem de caricatural. Isso não diminui a tensão de quando ele se prepara (sempre repetindo as mesmas frases, como descobrimos aos poucos) para a batalha, para a tortura.

O filme é estruturado então entre, de um lado, uma história meio sofrida e crepuscular entre uma menina e sua mãe doente, e, de outro lado, uma aventura de missão com três trabalhos num mundo mitológico a que só ela tem acesso.

Uma das minhas definições preferidas para “literatura fantástica” é de Kathryn Cramer ao dizer que “o Fantástico é a linguagem da mente submetida a enormes pressões.”  Algumas situações-limite da vida humana são tão “pesadas” que parecem distorcer a realidade à sua volta.  Elas influem no campo probabilístico. Com elas em processo, qualquer coisa pode acontecer, mesmo quando não acontece.

A mente humana submetida a uma tensão insuportável: personagens em crise são sempre mais vulneráveis ao Fantástico, ao insólito, ao improvável. “O estranho, o bizarro, o inesperado”. Quem está na corda-bamba tem mais chances de cair no chão do que quem está na arquibancada só olhando.

Ofélia em alguns momentos é tão estoica e destemida que se fosse hoje em dia acabaria de transformando numa Aria Stark, a lâmina mortal. Aqui, ela consegue vencer no Além, mas não tem a mesma sorte na vida real.

A imaginação visual e o perfeccionismo na recriação deram ao filme uma porção de indicações e vitórias em prêmios importantes. Ao que parece, igual importância foi dada ao roteiro e à história em si.

O filme é de 2006 mas vendo-o somente agora não o senti defasado, em termos visuais. A criação de efeitos especiais (os de personagens como o Fauno, por exemplo) envolve mais do que a simples técnica; depende de como aquilo é encaixado no resto do cenário. Se as texturas e o ritmo dos movimentos “batem” com o restante da cena. Às vezes a execução tecnológica é perfeita mas a imagem animatrônica não se encaixa, não parece fazer parte daquele mundo.

Os ambientes que ele recria são bastante prováveis na mente de uma garota daquela idade, que lê bastante. Del Toro tinha escrito uma primeira versão com uma criança por volta de oito anos, mas depois que viu o teste da pequena atriz, reescreveu alguns trechos para fazer dela uma menina um pouco mais velha.














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