(na foto: John Fowles)
1. Pare e analise.
Quando ler, num livro qualquer, alguma coisa que achar
muito boa, pare de ler, releia, e pergunte a si mesmo: “Por que é que isso é
bom?” Quando ler algo e achar muito
ruim, pare de ler, releia, e pergunte: “Por que é que isso é ruim?” Anote suas
respostas e não esqueça.
Por que digo isto?
Porque de certa forma um dos objetivos da literatura é
produzir aquela primeira reação, e evitar a segunda.
Houve um tempo em que a literatura era feita em função do
autor: o autor estava escrevendo para meramente dizer o que pensava, e o leitor
tinha que ler aquilo de forma respeitosa, obediente, eu diria quase reverente. Magister dixit. O mestre falou e tá
falado.
Com a industrialização da literatura, principalmente a
partir dos anos 1800, essa equação se inverteu parcialmente. Surgiu uma faixa
da literatura em que o importante era o que o leitor estava sentindo. O
importante era produzir emoções ou idéias no leitor, e o escritor tinha que se dobrar
a esse imperativo.
Paul Valéry via em Edgar Allan Poe o grande exemplo dessa
literatura voltada para o efeito a ser
produzido no leitor. Toda a teoria poética e contística de Poe se baseia
nisso.
Portanto... analise o efeito que o autor, qualquer que
seja ele, bom ou ruim, produziu em você. Era esse efeito que ele estava tentando? Ele conseguiu? Por
que conseguiu? Por que não conseguiu? Que recurso ele usou? Que outros exemplos
desse recurso você é capaz de produzir? E assim por diante.
2. Há coisas
essenciais e coisas negociáveis.
Imprima o que escreveu e vá relendo. Sublinhe as
palavras, as expressões e os trechos que você considera essenciais, o que em
hipótese alguma podem ser mudados sem prejudicar a história. Depois, faça uma
revisada no restante – cortando, reduzindo ou modificando.
Toda versão de um texto tem coisas essenciais e coisas negociáveis.
Até mesmo textos definitivos, publicados, impressos. Se Shakespeare ou
Cervantes ressuscitassem hoje, seriam capazes de apontar nas obras deles mil
frases que poderiam ser mudadas sem prejuízo algum.
É muito raro o livro onde nada pode mais ser mexido. (Não
conheço nenhum – estou deixando a ressalva porque não é cientificamente
impossível que exista.)
Eu adquiri esse costume quando fazia letras de música com
meus parceiros. Eu avisava: “Olha, a frase tal, a rima tal, o verso tal, não
mexa de jeito nenhum senão estraga tudo. Quanto aos outros trechos da letra, se
tiver uma idéia melhor, mande brasa.”
3. Lápis e papel
no bolso.
Algumas das melhores idéias vêm quando você não pode
anotá-las. Você pensa: “Não faz mal, chegando em casa eu vou lembrar
tudo.” Não vai.
Alguns vão lembrar, porque são obsessivos memorizadores.
Ou então são como Fernando Pessoa, que era capaz de compor um soneto de estranha
calma enquanto corria por uma calçada de Lisboa, sob trovoada e aguaceiro.
Escrever é, em mais de um sentido, um estado alterado de
consciência, e isso diz respeito ao
jeitão do talento de cada um.
Para quem é criativo, e tem seus truques, registrar
idéias é uma necessidade, porque idéias novas não param de chegar. É bom tomar
notas. Nossa mente criativa é meio metida a besta e às vezes descarta por
centavos alguma frase que bem empregada renderia uma pequena fortuna.
Lápis e papel, sempre (ou tablet, ou celular, ou qualquer
recurso que permita escrever textos curtos). No ônibus, no metrô, no
engarrafamento, na fila do banco, na sala de espera do dentista, na espera do
bar ou do restaurante, na porta do colégio esperando as crianças. Lápis e papel,
sempre.
Mostre somente o que prestar.
4. Visualize os
personagens.
Muitos leitores têm uma espécie de repositório mental de
tipos humanos. Isso é formado por sedimentação, anos afora, pelo cinema, a
literatura, as narrativas modernas em geral.
Projetar seu personagem numa pessoa conhecida ajuda a
imaginar ações e sentimentos plausíveis para ele. Use seu tio, sua prima, seu
vizinho, um ator ou atriz de cinema...
Descreva deles apenas o necessário; mas pense nessas
pessoas quando pensar nas cenas. Ninguém vai saber que o capitão da espaçonave
foi inspirado num professor seu, ou que a mulher fatal é a síndica do seu
prédio.
Muita gente faz isso. Às vezes eu estava lendo um livro
de autor dos EUA, tipo um thriller policial contemporâneo, aí quando via a
descrição do agente da CIA pensava: “Já sei, o autor está visualizando Yaphet
Kotto”.
Ninguém vai saber que aquela elfa é Cora Coralina, ou que
aquele carrasco da corte é Buster Keaton. Você imagina, você descreve de
maneira sintética, mas ao visualizar a cena tem essa figura em mente. Isso
ajuda a imaginar com mais espontaneidade os gestos, a linguagem corporal, as
reações do personagem.
5. Faça escaleta.
Um dos maiores bloqueadores da escrita é não saber o que
vem em seguida. Todo escritor de pulp fiction, por exemplo, já escreveu algum
fim de capítulo com o desfecho de um violento tiroteio, do qual o herói e sua
companheira de aventuras escapam por pouco. E agora?
As situações se repetem e é preciso introduzir algo novo
em cada reedição. Quando se trabalha com repertório de gêneros bem populares,
como a FC e o horror, o policial detetivesco, etc., a primeira coisa é ter uma
história que atraia e segure o espectador de alguma maneira.
A primeira regra básica acho que é: tenha sempre alguma
coisa nova a oferecer, uma idéia, um diálogo, uma esperteza, uma reviravolta,
uma coisa que possa evitar que as histórias vão todas na mesma direção.
Raymond Chandler, com algum cinismo, dava sua receita:
“Quando não souber o que vai acontecer em seguida, faça a porta ser arrombada e
por ela entrar um cara de revólver em punho.”
Faça um resumo, item por item, do que vai ocorrer em cada
capítulo. Tenha a sequência dos acontecimentos numa lista. Às vezes, se um item
estiver dando muito trabalho, é possível pular para o próximo, e depois voltar
e completar o que faltou.
Digamos: Cena 43, casal sem grana em crise. Longa
discussão entre os dois; decidem que ele vai sair para pedir grana emprestada a
um primo. Cena 44: o primo se nega a emprestar. Cena 45: o cara volta e os dois
recomeçam a briga. Você pode escrever de uma vez só as cenas 43 e 45, para não
sair do clima, e mais adiante escreve a outra, da qual só importa a negação do
empréstimo.
A escaleta não tira o prazer da descoberta e o susto da
informalidade. A gente deve sempre estar aberto para o imprevisto, o improviso,
o acaso. Mas ao mesmo deve deve ter sempre uma noção clara de que uma história
está sendo contada, e quem quiser acompanhá-la é só prestar atenção.
A regra é: Deve-se sempre planejar, deve-se sempre estar
aberto para o improviso.
6. Descubra que tipo
de escritor você é.
As fórmulas alheias, as técnicas alheias, os conselhos
alheios, tudo isso pode ou não lhe servir. Mas eu acho que o fato de ter
curiosidade a esse respeito é um bom sinal.
A escrita de cada um é uma consequência do modo como a
mente de cada um trabalha.
O escritor tem que se analisar ao longo da vida e ver em
que condições (pessoais, de horário, de ambiente, de método) produz mais e
melhor.
Hemingway escrevia em pé, Stevenson escrevia deitado. Kerouac
dedografava rolos de papel intermináveis, e Chandler compunha seus parágrafos
em pequenas fichas pautadas.
O que serve pra um não serve necessariamente para o
outro.
Ver a variedade dos gostos alheios, e os eventuais resultados
positivos, pode dar a alguém a sensação agradável de que pode ser ele mesmo ou
ela mesma sem que o mundo necessariamente se acabe.
7. Aposte sua
vida.
3 comentários:
Muito bom, Mestre! Antes eu seguia como escritor jardineiro (plantava e via o que nascia), mas aprendi a planejar com escaleta e ajudou muito, pois mesmo assim as plantas não pararam. Abraços fraternos. Paulo Esdras
Paulo, acho que o planejamento (em se tratando de histórias de ficção, contos, romances, roteiros, etc.) ajuda bastante e até auxilia a criatividade. A gente resolve os problemas mais espinhosos, e deixa para criar livremente (prosa, diálogos, etc.) dentro de situações que já foram resolvidas. Um abraço.
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