quarta-feira, 23 de março de 2016

4082) Cinco pirados (23.3.2016)



(ilustração: Piotr Przypadek)


Marquinho Bonsai, 28 anos, percussionista da banda new age carioca Os Outros.  Foi demitido da banda porque, na hora de entrar no palco para o show de estréia da temporada no Canecão, fumou um baseado tão radical que errou a porta do camarim e em lugar de ir para o palco saiu para a rua, pegou um táxi e foi para o Baixo Leblon, onde comeu cinco lasanhas verdes.  Os companheiros de banda o demitiram, não por isso, mas por considerá-lo dispensável, pelo simples fato de terem conseguido fazer o show inteiro sem dar pela sua falta.

Ahmed ul-Tahili, topógrafo marroquino, 46 anos. Dedicou sua vida a uma coleção de milhares de peixinhos tropicais nos quais implantava chips transmissores de sinais codificados. Cada vez que dois deles (nos imensos tanques mantidos num galpão de sua fazenda) se cruzavam a uma distância mínima pré-fixada, um pulso era captado por um computador central, que selecionava uma palavra e a adicionava ao imenso poema com que ul-Tahili pretendia concorrer ao Prêmio Nobel, para o qual chegou a ser indicado três vezes.

Henri Derouard, poeta decadentista francês (1833-1902). Durante décadas, sua vida consistiu em beber vinho, fumar ópio e escrever um volumoso diário íntimo onde documentou exaustivamente sua época. Nele, dedicou milhares de páginas a suas aventuras e fantasias eróticas, e ao seu relacionamento com pessoas do seu círculo literário, que incluía de Charles Baudelaire a Stéphane Mallarmé.  Em seu leito de morte, pediu ao sobrinho (que era também seu secretário particular e confidente) que queimasse tudo – e o idiota obedeceu.

Adam Altamont, texano, herdou e vendeu a indústria de pré-moldados do pai, e dedicou-se a mapear alfabeticamente ao EUA, entrevistando em Austin a dona de casa Alberta Allen, depois em Boston o pastor Bernard Bachman, em Chanute o garoto Clive Cornhill, em Detroit o policial David Donahue, em Evansville a florista Esther Edison. Indo em sua camionete rumo a Fort Worth para entrevistar o ator Frank Fullerton, colidiu de frente com a picape dirigida pelo aposentado míope de origem polonesa Zbigniew Zebrinski.

Casimiro López, 44 anos, mexicano, decidiu inventar um motor de automóvel que não precisasse de gasolina. Ao longo de 25 anos, experimentou suco de laranja, água com gás, querosene, água de coco, café, chás variados, vodka, tinta a óleo, leite de cabra, vinho tinto. Comparando dados, percebeu que uma mistura de todos esses ingredientes era o composto ideal: barato, eficiente e abundante. Quando comparava percentagens buscando a proporção ideal de cada um, foi vitimado por uma explosão que sua viúva até hoje atribui à maquinação dos gigantes petrolíferos.





Um comentário:

Tiago Bode disse...

delicioso!
incrível a densidade psicológica dos personagens, desenvolvida em um mero parágrafo.
genial e brauliano, como sempre!