Uma vez, entre amigos, alguém contou uma história terrível a
respeito dos seus antepassados. Não era ninguém famoso, nenhum fato “exarado
nas efemérides”, como diria Guimarães Rosa, mas ao que parece havia cavernas
ocultas na história da família dele, e o que ele nos ofereceu só fez aumentar a
nossa ânsia por mais. Sem entrar no mérito das paixões e dos parâmetros da
época, deixemos que a História se conte a si mesma. Que as histórias guardadas
sejam trazidas à luz, desempoeiradas, e postas a funcionar diante de todo
mundo. Nada faz mais a festa nossa do que a vida alheia, principalmente quando
essa vida dá uma bela história para contar depois, para quem é como eu, daquele
tipo que tudo recorda.
Era uma história que envolvia violência e vingança entre
famílias que se tinham em alto conceito, aquelas famílias de sobrenome
imponente e impoluto, que consideram sua própria história uma mitologia, uma
religião. Mortes daqui, mortes dali. A vida real é um filme terrível, do qual
não se acorda nunca. A cruz da história é uma decisão que o personagem toma,
entre a catástrofe A ou a catástrofe B. A gente sempre sai do cinema achando
que a melhor solução teria sido a outra, tal é o poder da catarse trágica de um
filme. Mas não adianta. Filmes de tragédia, mesmo os de final acautelatório,
precisam confirmar que a catástrofe já acabou, já foi concluída, registrada,
analisada, conceituada, ressignificada. O filme acaba, e estamos agora em boas
mãos.
O que acontece (disse aquele amigo nosso) é que ele agora se
via num dilema com que Shakespeare não sonhou. Estava a ponto de assinar um
contrato de sociedade de não sei quantos dígitos, numa situação
jurídico-financeira onde (segundo ele próprio) era preciso existir confiança
cega e absoluta entre ambas as partes, porque se uma delas quisesse poderia
afundar a outra com um mero documento. E a outra parte pertencia à família envolvida
na bendita tragédia-familiar citada acima. Ele erguia olhos insones e dizia:
“Como posso confiar nessas pessoas?!”.
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