(o ator Richard Mansfield como "Jekyll e Hyde")
O duplo é uma figura familiar a quem se interessa pela
narrativa fantástica. Ele é chamado de “double”, de “Doppelganger”; é o reflexo
no espelho, é o Outro... O conceito é rico, e por isso mesmo acaba acumulando
variantes, nem todas com o mesmo DNA ou seguindo a mesma lógica. Nem todo
conjunto de dois personagens muito próximos ou muito parecidos tem a mesma
dinâmica, a mesma hierarquia de relacionamento. São dois. Mas são dois que
obedecem a diferentes sintaxes de dramaturgia (não sei se o termo é absurdo,
mas vá lá). O retrato de Dorian Gray é um duplo dele, mas em circunstâncias
muito diferentes, por exemplo, do modo como a imagem do Estudante de Praga,
também um “Duplo”, que sai do espelho para cometer crimes em nome dele.
Na noveleta famosa de R. L. Stevenson, a relação entre o Dr.
Jekyll e Mr. Hyde não exprime o conceito do “duplo” no sentido de uma “aparente
duplicação de um indivíduo, com variados graus de semelhança”. É uma relação de
Criador e Criatura (que aliás não existe nos exemplos acima). O dr. Jekyll cria
cientificamente o seu opositor. Sua narrativa tem o DNA da história do Dr.
Frankenstein e o monstro que ele faz surgir em seu laboratório.
O erro mais frequente nas interpretações desse livro é opor
um Jekyll bom a um Hyde mau. Ouve-se às vezes por aí algo na linha de “Fulano
de Tal exibe a bondade e a pureza de um dr. Jekyll, mas dentro dele se esconde
um Mr. Hyde.” Bondade e pureza não se
aplicariam nem a Jekyll nem a Victor Frankenstein. Talvez arrogância, hubris,
descaso com precauções. No caso de Stevenson, ele indica Hyde como um inimigo
de Jekyll, mas parece sugerir que ele é uma droga, um vício secreto com que o
doutor se diverte mas quando menos espera tudo está a ponto de se tornar
público.
O médico ilibado e o sadista de rua não são reflexos ou
réplicas um do outro no sentido em que o são, p. ex., os sósias e xarás do
conto “William Wilson” de Edgar Poe. Aí, sim, existe um espelhamento
distorcido. Cada um é espelho do outro, com diferenças essenciais. A leitura
moralista diria que um era a má consciência do outro. Mais interessante é notar
que dois sósias, de nome igual, estudando no mesmo colégio têm que se
autodestruir, como duas partículas subatômicas contrárias.
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