(by André Govia)
A
cidade de Gesternburg é conhecida por sua catedral gótica, pela exuberância de
suas floriculturas, pelos seus restaurantes (para os que apreciam a comida
alemã) e pela Biblioteca Wolffring, uma das maiores coleções de obras
ocultistas e místicas da Europa. Gesternburg é um porto fluvial, e o ápice de
sua vida cultural foi entre os séculos 16 e 17, quando seu clima ameno e a
facilidade de transporte fez muitos nobres do império austro-húngaro construir
ali seus castelos de verão. A decadência das casas nobres fez com que as
maiores absorvessem as menores, e o que aconteceu com os brasões se refletiu
nas bibliotecas. Por volta de 1887, o Conde de Wolffring havia comprado todas
as bibliotecas do vale.
A
morte do Conde em 1914 coincidiu com o deflagrar da I Guerra Mundial. A cidade,
miraculosamente, não sofreu nenhuma invasão, mas padeceu com o racionamento de
comida. E foi aí que entrou na história o novo Conde, filho único do patriarca.
Estrôina, beberrão, indolente, o jovem Conde começou a dilapidar a fortuna do
pai, que morrera sem um centavo nos cofres. Como achava que mobília e pratarias
tinham maior valor, começou a desfazer-se dos livros. Os fornecedores de pão,
carne, vinhos, leite, vitualhas, passaram a ser pagos não com moedas, mas com
pesados volumes de Eliphas Levi, de Swedenborg, de Fulcanelli... Os perplexos
mercadores passavam esses livros adiante por qualquer preço. A cidade inteira
tinha uma vaga idéia de que o Conde possuía volumes preciosos, e durante alguns
anos livros passaram de mãos em mãos num complicado sistema espontâneo de
escambo, onde contavam pontos o tamanho do volume, o número de páginas, as
ilustrações ou iluminuras que exibia, a encadernação.
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