quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

3390) Arcaísmos idiomáticos (8.1.2014)



Algumas palavras entram em desuso na linguagem comum, vão deixando de ser usadas, as pessoas vão se esquecendo delas; às vezes ficam tão mortas e ressequidas que caem até do dicionário. Ocorrem, no entanto, que algumas delas sejam preservadas em frases feitas, em modos de dizer que as utilizam e que acabam sendo as únicas vezes em que elas são chamadas à ativa.

Vi no saite MentalFloss um útil artigo da linguista Arika Okrent sobre palavras assim na língua inglesa. O verbo “to wend”, que significa “ir”, sumiu; ficou apenas na expressão “to wend my/your/his way”, que significa “seguir caminho”. Ela explica que “to go” e “to wend” eram sinônimos de uso corrente, mas o segundo sumiu, deixando de si apenas o particípio passado, “went”, que transformou “to go” num esquisito verbo irregular.  Outro caso curioso é a palavra “fro”, que eu só conhecia da expressão “to and fro”, que significa “de um lado para o outro, pra lá e pra cá”. Diz ela que é uma pronúncia arcaica de “from”, o que, agora sim, dá sentido à frase, sugerindo a ida e a vinda.

Temos expressões parecidas em português. Um exemplo que me vem à memória é a frase “não vale um tostão, não vale um tostão furado”. Quanto é o valor monetário de um tostão? Não sei, porque quando nasci ele já estava obsoleto. Sobreviveu colado à frase. Algo parecido se deu com “comer uma arroba de sal com Fulano” (=conviver bem de perto com Fulano, pois sal come-se aos pouquinhos); arroba como medida de peso já foi pro espaço, mas a palavra acabou tendo uma ressurreição paralela, ligada ao símbolo “@”, tão útil hoje em dia.

Não sei se a palavra “alvíssaras” ainda subsiste fora da expressão “pedir as alvíssaras”, que se atribui a quem é o primeiro a dar uma notícia.  “Fulano ontem de noite chegou aqui em casa pedindo as alvíssaras, porque a irmã dele vai ter neném.”   Vem do antigo costume português, preservado nos cantos da “Nau Catarineta”: “Alvíssaras meu capitão / Meu capitão general! /  Já vejo terras de Espanha / areias de Portugal!”.

Não são apenas palavras que subsistem assim, mas idéias. Muitos jovens hoje usam a expressão “cair a ficha” sem saber que ela se deve aos orelhões, os telefones públicos onde a ficha caía quando havia conexão, alguém atendia do outro lado. (Em inglês há expressão paralela: “the coin dropped”, “a moeda caiu”).

Tem a expressão “dar às de vila diogo”, que significa “fugir,  passar sebo nas canelas, bater em retirada”. O tal Vila Diogo, que não sei quem seja, foi preservado na frase, mas vejam só o que é a língua, somente macróbios de óculos fundo-de-garrafa como eu recordam a expressão. Neste caso parece que afundou foi tudo.


3 comentários:

Maxwell F. Dantas disse...

De rocha! (Será que isso ainda é usado?)

Kleber Brito disse...

Ótimo texto, Bráulio.

Carmelo Ribeiro disse...

A primeira vez que li a palavra macróbio, referindo-se a um escravo velho, achei que havia sido algum erro, mas o pai dos burros me salvou. De qualquer forma, é melhor macróbio que anoso. Por fim, há uma expressão antiga que sempre me intrigou: lascou Brás, que significa, f... Quem será o tal Brás ou Braz?