terça-feira, 18 de agosto de 2009

1204) O crime “naïf” (21.1.2007)




(Pulp Fiction)

Você gostaria, caro leitor, de mergulhar nos desvãos mais recônditos da mente humana, de desvendar os seus segredos mais contraditórios, de ter acesso aos seus mistérios mais sutis? Pois basta ler os jornais. É nestas humildes e farfalhantes páginas que a Humanidade acaba revelando, geralmente a contragosto, o que tem de mais incrível, mais espantoso, mais paradoxal. 

As notícias de crimes, por exemplo, não têm a nos revelar apenas as estratégias de guerrilha do tráfico de drogas ou a explosão cega da raiva mal administrada. Elas nos mostram também episódios de inocência e candura capazes de provocar a incredulidade de leitores mais céticos.

Em 1997, na cidade japonesa de Ishioka, um casal de jovens de 17 e 16 anos entrou num Banco com a intenção de assaltá-lo. O rapaz puxou a faca que trazia oculta, abordou um cliente e anunciou o assalto. O cliente olhou-o de cima a baixo, deu de ombros, e continuou a fazer o que estava fazendo. O garoto foi até o caixa e voltou a proclamar o assalto. Nisto, sua namorada começou a arengar com ele, dizendo em altas vozes que ele era incompetente até para assaltar um banco. Os dois começaram uma briga-de-namorados que não foi interrompida nem mesmo pela chegada da polícia. Foram levados num camburão, onde continuaram a “discutir a relação”.

Em 2002, um rapaz chamado Katsuhiro Sekine entrou armado numa loja de conveniência em Hitachi, e anunciou um assalto. Quando o balconista lhe entregou 10 mil ienes, ele começou a queixar-se de que esquecera de pôr uma máscara, que seria facilmente identificado, e que era melhor entregar-se logo. Pediu ao balconista que ligasse para a polícia, pegou o fone e ficou conversando com um investigador até que o camburão veio e levou-o embora.

Entre 1996 e 2003, Noboru Ohashi foi preso após realizar numerosos furtos em apartamentos, entrando pela janela. Como tinha medo de alturas, fazia isto com um paraquedas às costas. O jornalista pergunta: Qual é a chance de um paraquedas abrir quando você cai de uma altura de cinco andares? Não ficaria mais difícil de carregar o produto do roubo, com aquele volume às costas? E quem não teria sua atenção atraída por um cara que anda na rua usando uma mochila de paraquedas?

Estes casos (e outros, comentados num artigo de Ed Jacob, “The Ten Dumbest Criminals in Japan”) mostram que no crime, como em outras atividades, inclusive a criação artística, é muito grande o número de pessoas que ouviram o galo cantar mas não sabem onde. 

O criminoso que sai no jornal é geralmente um sujeito que fica ouvindo falar de gente que deu um golpe e se deu bem – e acha que ele pode fazer o mesmo. 

A seqüência inicial de Pulp Fiction de Tarantino mostra um casal decidindo se vale ou não a pena assaltar a lanchonete onde estão; guardadas as proporções, não são muito diferentes dos assaltantes jovens do banco de Ishioka. Existe também o criminoso “naïf”, o criminoso primitivo cuja pureza chega até a comover.








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