(Stanislaw Lem)
Morreu Stanislaw Lem. Caso nunca tenha ouvido falar nele, caro leitor, eu compreendo. Lem foi um Mestre com M maiúsculo, mas nunca foi tão chegado aos holofotes e às câmeras como muitos de seus contemporâneos. Poucos livros seus foram publicados no Brasil. O mais conhecido deles, Solaris (Editora Relume-Dumará), só chegou ao grande público por ter sido filmado pelo russo Andrei Tarkovsky e pelo americano Steven Soderbergh. Para alguns críticos é seu melhor romance (e eu próprio já o incluí certa vez na minha lista dos “Dez Melhores Livros de Ficção Científica”). Mas a obra de Lem é numerosíssima e variada. Seu saite fica em: http://www.lem.pl/english/main.htm.
Nascido na Polônia, médico de profissão, Stanislaw Lem escreveu dezenas de livros onde se percebe erudição literária, uma inclinação para o humor e o trocadilho, uma percepção intuitiva e cética do absurdo da existência humana, uma grande capacidade de manipular elementos científicos e dar-lhes feição de conto folclórico. Alguns de seus livros mais curiosos são aqueles onde ele finge investigar ciências imaginárias. Imaginary Magnitude (1973) consta de uma série de prefácios para livros fictícios sobre temas que vão desde a criação de imagens pornográficas com o uso de Raios-X (“Necróbios”) até a arte de conversar por escrito com bactérias microscópicas (“Erúntica”). Em A Perfect Vacuum, em vez de prefaciar ele resenha livros imaginários, e diz: “Até agora, a literatura nos tem apresentado personagens fictícios. Devemos ir mais adiante, e descrever livros fictícios. É uma chance de recuperar a liberdade criativa, e de unir duas mentalidades que atuavam em campos opostos: a do escritor e a do crítico literário”.
Erudição e humor são duas constantes na obra de Lem, e estão presentes em outro livro seu já traduzido entre nós, e que pode ser achado nos sebos: O Incrível Congresso de Futurologia, a história de um congresso de cientistas cujo hotel sofre um atentado terrorista (LSD na água) que deixa todo mundo ligeiramente delirante. Ciência e absurdo fazem de Lem o escritor que criou os alienígenas mais verossímeis de toda a FC: distantes, enigmáticos, tão incompreensíveis para nós quanto nós o somos para eles.
Lem foi para a Polônia o que Jorge Luís Borges foi para a Argentina: aquela montanha solitária vista ao longe, que indica a existência de um continente, e que só quando nos aproximamos percebemos que a montanha não é tão isolada assim, é apenas o pico mais visível de uma longa cordilheira de tradição cultural e literária. A obra dos dois é um ótimo argumento contra a tese de que a literatura de ficção científica é algo tipicamente dos EUA, como o filme de faroeste. Não é. O que há é que nenhum polonês, argentino ou brasileiro poderá fazer FC americana tão bem quanto os americanos. Em contrapartida, coube a Lem mostrar como seria um FC polonesa, e a Borges como seria uma FC argentina.
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