sexta-feira, 3 de abril de 2009

0945) ETA Pau-Pereira! (28.3.2006)



Perdoem o trocadilho infame; não resisti. Uma das maiores descobertas de Freud (em O Trocadilho (Chiste) e Suas Relações Com o Inconsciente) é de que muitos dos nossos atos-falhos inconscientes são associações de idéias através da sonoridade das palavras, e nenhum poeta que se preze pode ignorar um processo tão crucial quanto este. Dias atrás, o ETA, grupo armado do País Basco na Espanha, anunciou um “cessar-fogo permanente” em sua luta pela independência. Meses atrás, o IRA (Exército Republicano Irlandês) fez algo parecido. São, portanto, dois movimentos separatistas europeus que renunciaram (pelo menos por enquanto) à luta armada e decidiram perseguir seus objetivos através do diálogo político. Para quem vive se desesperando com a selvageria reinante no mundo, é um alento.

Todo separatismo se parece, por isto minha alusão acima à heróica “República de Princesa” de nossa velha Paraíba. Todo separatismo é um grito de revolta, de impaciência, de “chega, não agüento mais”. Às vezes é uma solução, às vezes é um gesto suicida. Emocionalmente, o separatismo político não é diferente da atitude de um filho que, vivendo às turras com os pais, resolve fugir de casa, ou de uma mulher que, maltratada pelo marido, volta para o lar paterno. Separatismo envolve duas atitudes: 1) a decisão de não mais reconhecer uma autoridade que até então era aceita; 2) a decisão de não mais viver naquela companhia.

O caso do IRA irlandês e do ETA basco é trágico porque sua luta não é uma decisão de uma população inteira. A população pode estar insatisfeita com a situação política em que vive, mas nem sempre concorda com o método adotado por estes grupos: o terrorismo, o assassinato político, que era a estratégia dos outros grupos de esquerda urbana dos anos 1970: Baader-Meinhof, Brigadas Vermelhas, Tupamaros, etc. Uma pesquisa feita em 2004 pela Universidade do País Basco mostrou que 87% dos habitantes da região achava que era possível conseguir os objetivos do grupo (independência, federalismo, autonomia, etc.) sem recorrer a violência. Sabiamente, o grupo aceitou a voz da maioria e encerrou a sua década-de-1970 particular (o ruim é pedir desculpas aos 800 mortos e milhares de feridos que deixou para trás).

Na política, como nas brigas de bar, recorre-se à violência quando se percebe que os argumentos não adiantam, seja porque são inconsistentes, seja porque os interlocutores estão transtornados. O problema da violência é que ela deixa seqüelas difíceis de extinguir. Veja-se o caso dos judeus e palestinos, por exemplo. Uns sentem-se no direito de viver em paz em seus domínios, sem bombas terroristas. Os outros sentem-se no direito de ter seu estado e seu território, sem serem tratados como marginais, e sem serem invadidos pela polícia do país vizinho. Abstratamente, ambos têm razão, mas lá (mais do que na Irlanda e na Espanha) vai ser difícil apagar o rastro de fogo e sangue que essa guerra inútil já deixou.

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