O que é o conto narrativo? É o que conta uma história com começo, meio e fim.
Parece uma obviedade, mas não é. A grande maioria dos contos que leio hoje em dia não contam nada. São registros de emoções, de impressões, de lembranças, entremeados com pequenos episódios. Servem ao autor para exemplificar uma idéia, mas a rigor não constituem uma narrativa.
Simplificando bastante, eu diria que o conto narrativo é aquela história tradicional do século 19, mas que o conto do século 20, o conto moderno e contemporâneo, vem abrindo mão da narrativa com o mesmo espírito com que a Poesia abriu mão da métrica e da rima, e a Pintura abriu mão do figurativismo.
Algum problema com isso? Por mim, nenhum. Todos os estilos são interessantes, todos podem dar origem a contos de boa qualidade.
O problema é quando essa cronologia começa a virar um juízo de valor, como se as formas mais recentes viessem necessariamente para substituir e extinguir as formas que as precederam. “Que coisa mais velha, pintura figurativa! O negócio é abstracionismo”. “Ah, ninguém faz mais poesia rimada e metrificada, isso é coisa de antigamente”. E assim por diante.
Vai daí que hoje em dia há uma enorme expansão do conto que não tem nenhuma história para contar. É o conto-crônica, o conto-poema, o conto-desabafo, o conto-auto-análise.
Nada contra esse tipo de conto, é claro. Há pessoas que o transformam em obras-primas, como é o caso de Clarice Lispector. Mas a maestria de Clarice deixa nos seus jovens leitores a impressão de que qualquer pessoa pode (e deve) escrever como ela, assim como a maestria de Machado de Assis (cujos enredos, em geral, são limitadíssimos) nos dá a impressão de que qualquer sucessão de fatos banais do cotidiano resulta automaticamente num bom conto.
O que salva e justifica os textos de Clarice e Machado não são as histórias que contam, são a tensão elegante do estilo, onde cada frase parece uma corda retesada e pronta para desferir uma seta; e a sua capacidade de, a cada parágrafo, fazer emergir mais uma camada até então insuspeitada da psicologia de seus personagens (ou da voz anônima que nos fala).
Grande contista narrativo é outra coisa. Ele tem histórias originais a contar, histórias em que vemos uma imaginação em movimento, e não um simples observador do cotidiano (contra os quais, repito, nada tenho; mas não são a única opção estética possível).
Edgar Allan Poe, Dalton Trevisan, Jorge Luís Borges, Rubem Fonseca, Ruth Rendell, Conan Doyle, Julio Cortázar... bem, não vou encher isto aqui com uma lista. Estes escritores imaginam pessoas, ambiente, uma situação invulgar, o desdobramento dessa situação, e tudo que sucede ao longo deste processo.
No conto narrativo há sempre um senso de urgência, de tensão, uma concentração dramática nos fatos narrados que lhes dão um poder hipnótico e deixam em nós um eco inesquecível.
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