(ilustração: Hundertwasser)
& esse
negócio de catedral se incendiar é bom porque aparece gente que a gente supunha
morta para dar opinião
& filósofo
coisa nenhuma, esse cara está usando um crachá que achou no chão
& estou
cansado de viver como um cachorro, latindo para o que não entendo
& nunca
mais a humanidade vai ser tão rica quanto é hoje
& fazer
uma foto é como guardar uma fatia de uma nuvem
& um
dia a água do mundo vai acabar, e eu dizendo: agora beba gasolina
& tem
hora que o medo que vem de dentro esbarra no medo que vem de fora
& a
poesia cabe nas sextilhas como o mel cabe nas fôrmas de rapadura
& daqui
a um milhão de anos ninguém mais contará o tempo em anos
& não
existem pessoas más, existem pessoas menos
&
desigualdade social mesmo é o
exercício da delicadeza ter se tornado um privilégio de poucos
&
tinham sido do mesmo pelotão de fuzilamento, e agora não se cumprimentavam mais
ao se cruzar na rua
& ainda
existem porões da ditadura, cheios de gente cuja ausência não foi percebida por
ninguém
& toda
vez que eu releio um livro fico com vergonha de pensar que tinha entendido da
primeira vez
& a
vida julga a gente com um relance, condena com um piparote, ou absolve com uma
piscadela
& por
trás de todo gentleman sofisticado há dois ou três esbirros pisoteando a
etiqueta
& tanta
discussão sem resultado, somente por causa de termos mal compreendidos
& um
número vira outra coisa quando é visto pessoalmente
& hoje
é dia de ficar em casa, esvaziando os cinzeiros da memória
& não
elogie ninguém, não fale mal de ninguém; a gente nunca sabe o que vem por aí
& o
perdão não é concedido para anular o erro que se cometeu, mas para evitar o
próximo
& a
Esquerda gosta tanto de humilhar quem é burro quando a Direita de humilhar quem
é pobre
& eu
queria ser sem emoções, mas só se fosse do jeito de uma árvore
& a
alma da gente é um pião rodando, e o corpo é a ponteira de ferro que faz
contato com o mundo
& a
tristeza é uma gripe da alma
&
nenhum mal dura para sempre; ele é substituído por um mal maior
& cyborg não faz check-up, faz back-up
& tem
idéias que já vêm prontas, tem outras que é preciso adular muito pra que possam
render alguma coisa
& toda
editora deveria ter um selo só para livros de memórias de camareiras de hotel
& se os
chineses vivem do outro lado da Terra, nada mais natural que tenham preferido
pousar no outro lado da Lua
& se eu
me tornasse milionário acabaria virando um misantropo que se dedica à
filantropia
& nada
como um sucesso atrás do outro, com um fracasso no meio
& a
política é um reality-show onde uma porção de caras tentam enriquecer e a gente
fica torcendo para que uns enriqueçam mais do que os outros
& passei
a noite escolhendo as pepitas que vou jogar de volta ao rio
& a
raiva alheia faz comigo o que faz o fogo ao basalto
&
difícil achar um policial que saiba a diferença entre traficante e transeunte
& estamos
todos prontos, de coturno, mosquetão e capacete, para defender o hímen da Mãe
Pátria
& vendi
minha alma ao Diabo e descobri depois que Deus ficou com 10%
& quem
vê um rosto humano num pão mofado está a um passo de ver um significado para a
existência humana
& quem
me dera que a vida fosse como aquelas fazendas de trabalho escravo onde
enquanto você estiver endividado não pode ir embora
& e
surgiu um novo tipo de zumbi onde o corpo fica intacto e é a alma que apodrece
& a
pirâmide social brasileira é do tipo que mantém sacrifícios humanos lá no topo
& tudo
que acontece pela primeira vez será, mesmo assim, avaliado nos termos do que já
aconteceu antes
& ser
poeta, às vezes, é distribuir o que não tem e explicar o que não sabe
& tem
gente cheia de auto-estima que está precisando fazer uma auto-estimativa
& a
velhice é o lado B da vida; é lá que estão as surpresas discretas, as jóias sob
a poeira do futuro
Um comentário:
Que showww....estou eu aqui com insônia e lendo um artigo desse. Abraços.
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