(ilustração: Rubem Grilo)
Estão se multiplicando,
principalmente nos EUA, os pedidos para que o Estado ou as autoridades locais
exerçam algum tipo de censura sobre livros e textos em geral, para proteger a
estabilidade emocional nos leitores. Um artigo de Isabel Lucas (aqui: http://tinyurl.com/zuth66b) cita vários
exemplos. Obras clássicas como as “Metamorfoses” de Ovídio, a peça “Lisístrata”
de Aristófanes e outras são tidas como ofensivas por estudantes conservadores.
Eles pedem que os livros sejam eliminados das bibliotecas ou que pelo menos
“surjam com uma advertência na capa, chamando a atenção para o ‘perigo’ para o
‘bem-estar mental’ que representam os seus conteúdos, potencialmente causadores
de sofrimento, trauma ou angústia’”. Segundo o artigo, humoristas como Jerry
Seinfeld estão se recusando a dar espetáculos nas universidades, alegando que
os estudantes “não são capazes de suportar uma piada”.
A mania chega a extremos
surrealistas. Estudantes de Direito de Harvard pediram que não fosse ensinada a
lei sobre estupro, alegando que a visão desta palavra poderia reacender o
trauma em estudantes que pudessem ter sido vítimas desse tipo de abuso. (Essa
paranoia de negação traz à mente imagens como o avestruz que enterra a cabeça
na areia diante do perigo ou o marido traído que manda tirar da sala o sofá
onde a traição foi flagrada.) Para a psiquiatra Manuela Correia, “estamos
diante de uma excessiva psiquiatrização da sociedade”. Os ditames protetores da
psiquiatria tomam o lugar da religião, a quem cabia, até certa época, esse tipo
de controle. Isso seria indício de uma infantilização da sociedade, diz ela:
uma “sociedade que não consegue lidar com o medo ou a pluralidade da
linguagem”.
Se a pessoa é incapaz de
suportar a mera visão da palavra “estupro” (tendo sido ou não estuprada), tem
todo o direito de evitá-la, é claro. Todo mundo tem fobias ou angústias. Mas
nesse caso, por que diabo vai estudar Direito? Não seria melhor estudar algo
mais distanciado da realidade social, algo que não a obrigasse a refletir sobre
o mundo, a convivência, o atrito ideológico do dia-a-dia? Outro detalhe que
inquieta é que para muitos desses espíritos defensivos não basta evitarem os
temas, querem que os temas sejam proibidos inclusive para os que não têm trauma
nenhum e querem se informar sobre os tais assuntos. É uma regressão emocional
perigosa. São pessoas a quem o mundo de hoje assusta (e acreditem, amigos,
assusta a todos nós) e preferem fazer de conta que o mundo não existe, preferem
refugiar-se numa bolha de segurança fictícia que nem uma ditadura militar seria
capaz de manter intacta por muito tempo.
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