quinta-feira, 16 de outubro de 2014

3632) 5 suspeitas (16.10.2014)




George Alírio de Souza, 38 anos, técnico em eletrônica, casado, três filhos, morador de Goiânia, preocupado há meses com rachaduras que apareceram no prédio, na própria coluna 3 onde ele mora, oitavo andar, e moradores antigos lembram que aquilo não foi bem aterrado, mas o porteiro acha normal, e a sub-síndica garantiu que não há o que se preocupar, todos os prédios do conjunto habitacional apresentam essas correções estruturais de vez em quando e o fato é que até hoje não caiu nenhum.



Sunlya Aranahdi, 21 anos,  estudante, síria, moradora em Damasco, filha única de um casal que não pode nunca suspeitar do que fizeram ela e seu primo Akhazim, numa noite de loucura e lua cheia, junto à sebe que margeia o rio, ele garantindo-lhe que tomara as precauções, que ela não imaginava quais fossem, mas agora passou-se um mês, passaram-se dois, não veio, e Akhazim a evitou na festa de aniversário do seu avô, como se soubesse, como se tivesse já a confirmação do que para ela era apenas uma inquietante e inédita suspeita.



Lúcio Armendáriz Colón, 33 anos, soldador numa fábrica, em Bilbao, tentou filiar-se ao Partido Socialista Operário daquela cidade, e se defrontou com a mais impenetrável burocracia, exigências descabidas, prazos extenuantes, a tal ponto que, de tanto ir à sede do partido, de tanto circular pelos corredores com o protocolo nas mãos, ele notou a roupa, os óculos, os carros dos membros do Partido, e passou a suspeitar que aqueles intelectuais de classe média gostavam de operários o bastante para fundar um partido em sua defesa, mas não o suficiente para permitir que um operário de verdade viesse furar os balõezinhos das suas certezas.



Matilda Canteros, 35 anos, partner de mágico de salão, em Cuiabá, 16 anos de palco e manhas e catimbas, auto-empresariada, malandra mor, quatro noites por semana cumpre seu papel e executa suas manobras, mas depois não dorme, aterrada, porque não faz idéia de como seu novo patrão produz aquelas transformações impossíveis, porque nem ela sabe, e não há pistas, nem mesmo nos bastidores, e ela já começou a pensar que a idade a está tornando meio paranormal.


Zlatan Bavimovic, 45 anos, astrônomo amador, funcionário público, solteirão, morador de Dubrovnik, tem bebido todas nos últimos três anos, preocupando os vizinhos, com quem mantém boa convivência, por seu temperamento alegre e participativo, mas de três anos para cá vive a se queixar de cálculos que não batem, imagens que somem, descontinuidades inexplicáveis na medição do universo pelos instrumentos, e há momentos em que ou os instrumentos estão errados, o que é impossível, ou o Universo é irreal.





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