A história da guerrilha comunista no Brasil já foi contada em livros, filmes, reportagens. Os romances, que eu me lembre, são poucos, mas o primeiro que li, e que mais me marcou, foi Bar Don Juan (1971) de Antonio Callado. É o livro do meio de uma espécie de trilogia que ele iniciou com o imenso e épico Quarup (1967) e concluiu com o multilingue e compacto Reflexos do Baile (1976).
Callado tinha talvez o equilíbrio necessário para escrever sobre a guerrilha. Um equilíbrio que não vinha da neutralidade, mas do seu envolvimento ideológico e pessoal, que lhe permitia ser simpático a algumas intenções do movimento, e crítico quanto ao seu modo de atuação.
Por volta de
1968, na Zona Sul do Rio, um grupo de jornalistas, cineastas, escritores, junto
com alguns de origem militar ou religiosa, se reúne para criar um foco de
guerrilha na região de Corumbá. Seria uma ponte para a guerrilha que Che
Guevara estava implantando (aos trancos e barrancos, na verdade) na Bolívia.
Uns já tem experiência de combate, outros são “verdes”, alguns são claramente porraloucas, mas estão decididos ao sacrifício: “Em épocas como a nossa a vida particular é um vício. Um maconheiro que procura mudar o mundo é mais virtuoso do que um atleta ou um santo.”
Uns já tem experiência de combate, outros são “verdes”, alguns são claramente porraloucas, mas estão decididos ao sacrifício: “Em épocas como a nossa a vida particular é um vício. Um maconheiro que procura mudar o mundo é mais virtuoso do que um atleta ou um santo.”
Callado bebia
uísque com aqueles jovens, presenciava suas discussões, entendia seu
entusiasmo, e a crônica daquela derrota sangrenta é narrada com um
distanciamento melancólico.
Ele cobriu a Guerra do Vietnam e provavelmente entendia mais de vivência de guerra do que aquele grupo de jovens “que olhava o Banco como um terrorista árabe olhando uma sinagoga.”
Ele cobriu a Guerra do Vietnam e provavelmente entendia mais de vivência de guerra do que aquele grupo de jovens “que olhava o Banco como um terrorista árabe olhando uma sinagoga.”
O bar e o livro
podiam se chamar Bar Dom Quixote, porque a guerrilha rural planejada e
arregimentada entre uísques nas noitadas do Leblon é também o resultado de
leituras desordenadas, sentimentos nobres, ambições heróicas e leitura
paranóica do Real.
A arrogância ingênua da guerrilha se reflete no bordão com que os pretendentes a guerrilheiros se referem à conexão com a guerrilha boliviana do Che: “Com o Comandante a gente vence. É matemático.”
É típico do desejo se fantasiar de necessidade. Quando queremos muito alguma coisa é forte a tentação de imaginar que o Universo inteiro conspira a favor daquilo. Ou, para usar o jargão da época, dizemos que aquele evento será a consequência necessária da marcha inelutável da História, o resultado concreto de forças históricas objetivas.
A arrogância ingênua da guerrilha se reflete no bordão com que os pretendentes a guerrilheiros se referem à conexão com a guerrilha boliviana do Che: “Com o Comandante a gente vence. É matemático.”
É típico do desejo se fantasiar de necessidade. Quando queremos muito alguma coisa é forte a tentação de imaginar que o Universo inteiro conspira a favor daquilo. Ou, para usar o jargão da época, dizemos que aquele evento será a consequência necessária da marcha inelutável da História, o resultado concreto de forças históricas objetivas.
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