domingo, 16 de março de 2014

3448) Uns títulos (16.3.2014)



Quando Raymond Chandler lançou o romance The Little Sister em 1946 um amigo questionou alguma coisa a respeito do título, e ele respondeu, por carta: “Meu título pode não ser muito bom. É somente o melhor a que eu pude chegar sem forçar muito. Minhas idéias a respeito de títulos são meio peculiares.  Eles nunca devem ser provocativos de maneira óbvia, nem falar de assassinato. Devem ser bastante indiretos e neutros, mas o formato das palavras deve ser pouco usual. Não consegui isso, neste caso.  No entanto, como já disse um grande dono de editora, título bom é o título de um livro de sucesso.  Assim de improviso ninguém seria capaz de dizer que The Thin Man (O Homem Magro, de Dashiell Hammett) é um grande título.  O Falcão Maltês é, sim, porque tem rima e tem ritmo, e obriga a mente a fazer perguntas”.

Veja-se como ele se preocupa com a busca de uma certa sonoridade, refletida nessa rima interna “al-al” (“Maltese falcon”) no livro de Hammett.  O que Chandler não comenta, e até hoje nunca o vi tocar nesse assunto, é a curiosa simetria de alguns dos seus títulos, os que eu chamo “das dimensões”: The Big Sleep, The High Window, The Little Sister, The Long Goodbye.  Grande, alto, pequeno, longo. Ele usou isto quase com certo abandono, mas deixou claro que não era uma fórmula obrigatória, encaixando Farewell, my Lovely, The Lady in the Lake e Playback

Fórmula fixa mas rica em combinações: resquício da pulp fiction.  Os romances de Perry Mason, que ele tanto elogiava, tinham fórmula fixa: O Caso do X...... X...... (palavras com a mesma inicial).  Ellery Queen tinha sua famosa série de romances “nacionais”: O Mistério do Ataúde Grego, do Sapato Holandês, do Chapéu Romano, da Cruz Egípcia....  Cornell Woolrich tem dez ou doze livros com a palavra “dark” ou “black” no título. A fórmula testada quatro vezes por Chandler é mais sutil.  Ela se assemelha à da série de romances de John MacDonald em que cada título sugere uma cor.

The Lady in the Lake é um livro quase todo fora de Los Angeles, mas L. A. está toda no título.  É interessante que quando ele começou a escrever The Long Goodbye queria usar o título Verão em Idle Valley.  Parece um título de matéria-paga em revista náutica, mas Chandler provavelmente queria usar esse ambiente para contrastar com uma história sórdida e cruel.  Já o título de um dos seus contos, “No Crime in the Mountains” (“Nada de crime nas montanhas”), tem ritmo, quase rima, e soa parecido com uma multidão de outros, além de fazer a cabeça pensar: sim, mas se não houve crime, então o que é que há?  A tradução tenta manter a cadência interna típica do verso. Só que trocando as cinco sílabas do original por oito nossas.


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