terça-feira, 6 de setembro de 2011
2653) A Segunda Idéia (4.9.2011)
Fernando Pessoa talvez tenha pensado em escrever algo como:
O poeta é um fingidor
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a alegria que sente.
Mas achou essa primeira idéia boba, e continuou pensando. Achou uma segunda idéia que ficou muito melhor, e tornou o verso famoso.
O primeiro impulso criador na arte é o impulso de fazer alguma coisa parecida com algo que vimos e gostamos, é o impulso de quem pensa: “Eu também quero fazer isso”. E quando fazemos, acabamos fazendo um isso parecidíssimo com o isso original, o que nos emocionou. Toda arte começa como imitação.
E é uma imitação tão pura, tão inocente, tão destituída de maus sentimentos que se nos disserem “Você está escrevendo igualzinho a Marcel Proust!”, responderemos com fervor: “É mesmo?! Obrigado, obrigado!”.
Não custa nada ficar olhando aquilo que acabamos de escrever e pensar: “Muito bem, esta é a primeira idéia que tive, quando estava com a obra ou o estilo de Fulano ocupando minha cabeça. Vou esquecer Fulano agora, e pensar em mim. O que posso colocar de meu nessa frase, nesse verso, no enredo dessa história? Onde posso mexer para que ela se torne algo completamente diferente, e melhor?”.
Existe um ramo da crítica literária que examina os manuscritos originais dos textos, tentando ler tudo aquilo que o autor riscou, borrou, cancelou.
São as primeiras idéias. Ele escreveu aquilo achando que estava arrasando. Depois releu e percebeu que ainda estava meio fraquinho. Riscou e escreveu por cima outra coisa.
Sempre que examinei textos dessa forma cheguei à conclusão de que a segunda idéia é invariavelmente melhor do que a primeira. Basta comparar (por exemplo) os sonetos de Augusto dos Anjos conforme foram publicados nos jornais, e depois como foram publicados no Eu. Sempre há uma mudança de algumas palavras. E essas mudanças são sempre para melhor, e isto nada tem a ver com o fato de estarmos acostumados com a versão oficial do poema. A primeira idéia é sempre mais fraquinha, mais frouxa, mais clichê.
Graciliano Ramos ia dar ao livro Vidas Secas o título de “A Vida Cheia de Penas”. Felizmente o arcanjo Gabriel, ou outra autoridade do mesmo escalão, o visitou antes do manuscrito ir para a gráfica e ele teve uma segunda idéia, não é mesmo?
Reza a lenda que o musical Oklahoma!, um dos grandes sucessos da Broadway em todos os tempos, estava pronto para estrear quando alguém teve a idéia de adicionar o ponto de exclamação depois da palavra-título; dezenas de milhares de cartazes foram reimpressos com este pequeno detalhe.
Não sei se isto aumentou a bilheteria, mas mostra que sempre há tempo para dar uma injeçãozinha numa idéia, um “diferencial” como diz o pessoal da publicidade.
A publicidade, aliás, é uma área que chega a exagerar, porque muitas vezes a galera vira noites em claro diante da 27ª. idéia, enquanto o Diretor de Criação incentiva: “Vamos lá, pessoal... Deve haver alguma idéia ainda melhor!"
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