quarta-feira, 7 de abril de 2010

1877) A Guerra do Izaque (15.3.2009)




O velho Izaque era um ditador. Tocava a fazenda com mão de ferro, resolvia tudo na base da ameaça, do chicote e da espingarda. Tinha meia-dúzia de filhos tão truculentos quanto ele, todos brigados uns com os outros, entrincheirados em suas casas que ficavam a um tiro de distância. Quando havia querela e se confrontavam, Izaque galopava para lá com seis capangas, refreava os querelantes e impunha a paz, com armas engatilhadas. 

Afora isso, desfeiteava vizinhos, judiava dos posseiros, deflorava as filhas dos moradores mal estas ficavam no ponto. A cidade se revoltava, cobrava providências do prefeito, do governo estadual. 

Quando uma prospecção federal descobriu um filão aurífero numa fronteira da fazenda, Izaque reagiu a bala, apossou-se do sítio, e mandou para a Secretaria de Segurança um caixote de sal com três cabeças de geólogos. O governo pintou-se para a guerra e invadiu.

O velho Izaque se refugiou num lajedo inacessível, com seus jagunços. As autoridades abriram seis focos de luta contra os filhos, mataram um ou outro, subornaram alguns com privilégios e percentagens. 

Por fim os engenheiros tiveram acesso, fizeram medições com teodolitos, escavaram, transportaram. E enquanto isso o velho Izaque, na calada da noite ou no pingo do meio dia, explodia aqui-acolá uma van de transporte, um acampamento de operários.

E os filhos aproveitavam o caos para acertar as contas. 

Toín encharcou de gasolina o curral de Mateus e tocou fogo: dava pena ver, no meio da noite, aqueles cinquenta churrascos vivos em debandada, mugindo para a lua. 

Mateus pensou que tinha sido Sinval, e semanas depois a família deste recebeu de presente um botijão de vinho que foi aberto na hora da janta e mandou a todos pelos ares. 

Dóda tomou as dores de Sinval, mas sem saber quem era o remetente descontou no governo. O primeiro deputado que foi visitar a obra foi abduzido e esfolado dos pés à cabeça, deixaram-lhe apenas as impressões digitais.

Enquanto isso, na capital, o governo ficava de cabelos brancos. A opinião pública, a imprensa, Brasília, todo mundo exigia o fim do conflito na Fazenda do Izaque. 

Nem mesmo a captura do velho amainou os protestos. Primeiro, porque ele tentou fugir da viatura, no trajeto à noite para a capital, e acabou sendo atingido por 53 balas. 

Segundo, porque agora o conflito tinha extrapolado para os filhos, os vizinhos (cujas fazendas eram a toda hora invadidas por jagunços em fuga e soldados em fúria), a Polícia Federal (que achou que aquilo era de sua alçada, e entrou no fuá) e gente que tinha dívidas de sangue a ajustar com “os izaques” e de vez em quando fazia uma surtida.

Está assim até hoje. Todo mundo quer sair de lá, mas sabe que quando sair a hecatombe vai recrudescer e o povo, a imprensa e Brasília vão exigir nova invasão. 

Ah, enquanto o filão de ouro não secar, meu amigo, o ar vai continuar cheirando a pólvora, e quando você vir uma coisa espetada numa estaca, vire a cabeça pro outro lado.




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