quarta-feira, 7 de abril de 2010
1880) Judeu se Suicida num Cinema (19.3.2009)
"No Suicídio do Último Judeu do Mundo no Último Cinema do Mundo”: este é o ominoso título de um curtíssima-metragem (três minutos) de David Cronenberg, que faz parte da compilação Chacun son Cinéma, um filme coletivo (com 33 diretores e 33 episódios) exibido nas comemorações do aniversário do Festival de Cannes. Cada cineasta recebeu a missão de fazer um episódio de três minutos, do jeito que bem entendesse, com a única exigência de que no filme aparecesse um cinema.
O curta de Cronenberg começa mostrando o rosto de um homem (o próprio diretor) próximo à câmara, distorcido pela lente grande angular; apontando um revólver para a testa, depois para a boca, etc. Por trás dele um cenário pouco visível, que aos poucos percebemos ser o banheiro de um cinema. E ouvimos as vozes de um casal de locutores típicos dos canais a cabo norte-americanos descrevendo, em estilo CNN, o que aparece na imagem. (Reproduzo de memória os nomes e os diálogos, que não são exatamente assim.) O homem diz: “Ah, pronto, já temos imagem. Já estamos com imagens ao vivo, Mary”. Ela: “Exatamente, Bob. Já temos imagem ao vivo da nossa reportagem, que vai registrar o suicídio do último judeu na última sala de cinema do mundo”. Bob: “Você disse última sala de cinema, Mary? Poderia situar melhor isto, para os nossos assinantes?” Mary: “Claro, Bob. As salas de cinema foram eliminadas, mas a polícia localizou esta última sala clandestina, que será demolida depois de nossa reportagem de hoje”.
A imagem não muda: o homem, rosto quase colado à câmara, experimenta a posição ideal do revólver de encontro à própria cabeça. E a reportagem prossegue nesse tom típico de descontração e indiferença. Mary informa a Bob que aquele indivíduo é o último judeu do mundo, o último representante de uma raça extinta. Bob: “E esta raça, Mary, a julgar pelas informações que recebemos, tinha alguma relação com a indústria do cinema? E é por isto que o suicídio terá lugar num cinema?” Mary: “Precisamente, Bob. Pode-se dizer até que os judeus eram a indústria do cinema. Embora isto, é claro, deva ser entendido num sentido muito amplo”.
São apenas três minutos, mas a crueldade e o absurdo são cumulativos. O homem enfia o cano da arma na boca, no olho, no ouvido, enquanto os locutores discutem a maneira mais eficaz de alguém se suicidar; e por fim a imagem se congela quando ele aperta o gatilho.
Cronenberg (com A Mosca, Gêmeos – Mórbida Semelhança, Crash e outros filmes) é um dos principais diretores do que poderíamos chamar de um “cinema da crueldade” de hoje, Em seu livro Le Cinéma de la Cruauté, André Bazin analisa as obras de Erich von Stroheim, Carl Dreyer, Preston Sturges, Luís Buñuel, Alfred Hitchcock e Akira Kurosawa. Hoje, poderia incluir David Lynch, os irmãos Coen, Cláudio Assis, Quentin Tarantino e David Cronenberg, autor deste pequeno e irretocável filme que também poderia se intitular “A Morte do Século 20”.
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