quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

1706) A descarga do humor (30.8.2008)




Numa entrevista à revista Wired de julho, o escritor Jim Holt discute as teorias sobre a origem do humor, em função do seu recente livro Stop me if you’ve heard this: a history and philosophy of jokes. Não vi o livro, mas duas ou três coisas colocadas na entrevista me chamaram a atenção. Primeiro, o título do livro, que seria algo como “Me avise se já lhe contaram esta”. É uma advertência muito comum em sessões de piadas, e ela envolve dois aspectos contraditórios do humor-de-anedota. Em primeiro lugar, o humor é baseado numa surpresa, que é proporcionado pelo desfecho da piada. Se o sujeito já sabe o final, a piada perde a graça. Jim Holt define esse aspecto de maneira sintética: a anedota consiste em uma preparação, ou “set up” (narrativa incongruente) e desfecho, ou “punch line” (frase final que resolve a incongruência).

Mas todos nós já tivemos a experiência de ouvir uma piada várias vezes e só achá-la engraçada quando alguém a conta de um jeito especial. Performance também influi. Não porque o contador faz trejeitos, ou tem a voz engraçada. Mas porque piada é basicamente uma narrativa comprimida ao máximo (como os comerciais de 30 segundos na TV), e o menor deslize na hora de contá-la pode comprometer o resultado. Já me ocorreu inúmeras vezes ver uma piada sendo mal contada, “entender” qual é a graça, mas só rir de verdade quando um dia alguém a conta bem, com a ênfase nos detalhes corretos, as elipses bem feitas, o “timing” adequado, as escolhas verbais precisas.



Ziraldo organizou para a Editora Codecri uma série de antologias de anedotas sob o título Tem aquela do.... É outro intróito tradicional nas sessões de piadas. Por que? Porque o ritual de contar piadas se desenrola através de associações de idéias, e, mal o amigo à nossa esquerda termina de contar uma, a gente já lembrou de outra parecida, pelo tema, pelos personagens, pelo desfecho, seja lá por que for. Cada piada abre um leque de conexões para ser seguida por outra que lhe é muito próxima mas que por sua vez vai abrir um leque também amplo, em outras direções. Encaixam-se como peças de dominó.


Contar anedotas é uma atividade essencialmente intelectual: destina-se ao intelecto, à nossa capacidade de analisar situações incongruentes e de apreciar um desfecho engenhoso. Sobre a origem do riso, Holt traz essa teoria, baseada no comportamento dos primatas, que é nova para mim: “V. S. Ramachandran tem uma teoria sobre a origem do riso. Quando há um grupo na selva e ocorre uma ameaça aparente, o primeiro membro do grupo a perceber que não é uma ameaça real emite uma vocalização estereotipada. E ela é contagiosa, todos a repetem. Isto está na base da teoria do humor como alívio de tensão. É a descarga de uma tensão mental que você produziu em si mesmo para tentar entender uma situação incongruente. Kant dizia que a essência do humor é uma expectativa tensa que se dissolve em nada”.








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