quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
1707) Machado e o Polígono Boêmio (31.8.2008)
(Machado, por Nássara)
Já afirmei alhures que o tema principal de Machado de Assis é o Triângulo Amoroso. Amplio agora esta definição para dizer: seu segundo tema é o Polígono Boêmio. Por Polígono Boêmio entendam-se todos aqueles contos em que um grupo de homens estão reunidos, e dessa reunião brotam eventos como passeios, farras, etc. ou brotam histórias.
Neste segundo caso, o Polígono Boêmio tem um centro: é um personagem que narra uma história enquanto os outros o escutam, interferindo de vez em quando com perguntas e comentários. E aqui vemos mais uma das tão propaladas influências inglesas na obra de Machado (numa época em que a influência unânime em nossa literatura vinha de Paris). O esquema usado por Machado é uma recriação brasileira do gênero chamado de “Club Stories”, ou histórias de clubes. John Clute, na Encyclopedia of Science Fiction, define o gênero como “uma história contada por um homem a outros homens num recinto privado, freqüentado apenas por pessoas do mesmo estrato social, as quais concordam em acreditar na história para seu mútuo bem-estar”.
O clube inglês é uma instituição que não existe, ao que eu saiba, em nenhuma outra parte do mundo. É uma espécie de café com biblioteca, reservado apenas aos sócios. Ali eles se reúnem, fumando charutos, jogando bilhar ou cartas, tomando uísque ou café, lendo jornais, conversando diante da lareira. E é nessa milenar roda de ouvintes em volta à fogueira que acontecem as histórias. Muitas dessas narrativas são também o que em inglês se chama de “tall tales”, histórias inverossímeis ou improváveis, quando não escancaradamente mentirosas. John Clute sugere que as primeiras formas maduras do gênero surgem com Robert Louis Stevenson (New Arabian Nights, 1882), o que faz de Machado, mais que um mero seguidor, um praticante contemporâneo. Outros nomes ilustres nessa linha são Jerome K. Jerome, G. K. Chesterton, P. G. Wodehouse, H. G. Wells, H. H. Munro (“Saki”) e Lord Dunsany. A estes, eu acrescentaria Conan Doyle.
A “club story” pressupõe uma atmosfera confortável para escutar uma história inverossímil. Não precisa ser um clube; basta ser uma casa onde se reúnem, como em “Um Esqueleto”, dez ou doze rapazes que falam de artes, letras e política: “Batia justamente meia-noite; a noite, como disse, era escura; o mar batia funebremente na praia. Estava-se em pleno Hoffmann. Alberto começou a narração”. Em “O Imortal”, estamos na varanda da casa do Dr. Leão, com a presença de um coronel e um tabelião: “Um lampião de luz frouxa, pendurado de um prego, sublinhava a escuridão exterior. De quando em quando, gania um seco e áspero vento, mesclando-se ao som monótono de uma cachoeira próxima. Tal era o quadro e o momento, quando o Dr. Leão insistiu nas primeiras palavras da narrativa”.
Variantes deste formato aparecem em “Adão e Eva”, “Um Incêndio”, “Cantiga Velha”, “Mariana”, “Uma Noite”... Histórias que vemos contadas, não vemos acontecidas.
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