quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
1704) Educação e Cultura (28.8.2008)
Quando eu participava uma vez de um desses seminários sobre questões culturais, alguém da platéia perguntou qual era afinal a diferença entre Educação e Cultura. Respondi, meio de improviso, que Educação é tudo aquilo que a gente aprende a fazer porque alguém nos obriga, e Cultura é o que a gente aprende por interesse próprio. Reconheço tecnicamente que não é uma definição aceitável, mas ela aponta uma distinção importante. A Educação é um processo formalizado pelo Estado e por variados grupos (religiosos, militares, etc.), que procura preparar os cidadãos para a vida. Comparada a ela, a Cultura quase que faz parte da Natureza: é uma superposição caótica de experiência a que qualquer um é sujeito desde o instante em que abre os olhos.
A Cultura é aleatória, a Educação é planejada. A Cultura é difusa, a Educação é focalizada. A Cultura está em toda parte, a Educação se dá em recintos específicos. E, evidentemente, as duas também se misturam. Dentro de uma sala de aula, no momento mais formalizado possível da Educação, tudo que ocorre ali faz parte, simultaneamente, da Cultura: o jogo de poder, a competição, o modo de enfocar a matéria, as perguntas, os exemplos, o modo como aquele assunto toca ou não a vida real de cada aluno. A Cultura é tudo, e inclui dentro de si a Educação, que é uma radicalização de seus propósitos (integrar o indivíduo na atividade coletiva). A Cultura é uma educação informal; a Educação é a Cultura sistematizada e administrada segundo um planejamento.
Imagino que as escolas surgiram da necessidade de sistematizar a Cultura. Havia milhões de conhecimentos flutuando na sociedade, era preciso escolher os mais importantes. Na Idade Média havia um grupo de três disciplinas humanísticas (o “trivium”: gramática, retórica, dialética) e outro de quatro disciplinas técnicas (o “quadrivium”: aritmética, astronomia, geometria, música). Sempre que li sobre isso achei interessante que naquele tempo ninguém ensinasse coisa hoje básicas como História ou Geografia. Por outro lado, é normal a ausência das disciplinas científicas de hoje (Física, Química, Biologia, etc.), que na época não existiam – os conhecimentos a respeito eram englobados numa nebulosa Filosofia Natural ou coisa parecida.
Volto sempre a pensar nisto quando percebo a enorme antipatia dos jovens em geral para com as matérias que fazem parte dos currículos escolares. E lhes dou razão. Eu sobrevivo muito bem sem jamais ter estudado Física ou Química. Aliás estudei, mas no âmbito da Cultura, por desejo próprio, lendo livros de ficção científica e precisando de duas ou três leituras paralelas para poder entender o que acontecia ali. Conhecimentos tão especializados deveriam vir assim, quando se fizessem necessários, e não numa lavagem cerebral obrigatória. Seria o mesmo que obrigar todo mundo a estudar Filosofia, Latim ou Orquestração. Para quê? Melhor deixar para os que realmente se interessam.
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