terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

1692) “Amélie Poulain” (14.8.2008)




Se um dia eu fizer uma lista com Os Dez Filmes Mais Felizes do Cinema, este aqui aparecerá com certeza. Ainda não sei quais seriam os outros nove, e talvez não existam, mas este simpático e inteligente filme de Jean-Pierre Jeunet pode preencher sozinho a lista. 

Minha admiração por Jeunet surgiu nos dois filmes bizarros, surrealistas, cruéis, grotescos, que ele dirigiu com Marc Caro: Delicatessen (1991) e O Ladrão de Sonhos (1995). Filmes com estética de história-em-quadrinhos francesas, criatividade visual do cinema de animação do Leste Europeu, alguns elementos da ficção científica dos anos 1960 e um senso de invenção visual incessante, barroco.

Qualidades que estão em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), que Jeunet dirigiu sozinho, mas com a mesma verve visual e narrativa. Uma fotografia de cores estouradas recriando uma Paris de desenho animado, irreal, encantadora. Uma edição frenética, mas que sabe puxar as rédeas nos momentos certos, variando de ritmo com dinâmica segura. 

Um roteiro de imaginação incansável, cheio de pequenos achados que parecem desnecessários mas são o tempero ideal para uma história que poderia ser bobinha e banal. E atores que parecem com gente, dando ao filme, que é um conto de fadas, um lado terra-a-terra que acaba sendo bem-vindo e evitando que ele fique água-com-açúcar.

Enquanto os dois primeiros filmes de Jeunet tinham sido sombrios e cruéis, este aqui é uma fábula de bons sentimentos, contando a história de uma moça tímida e solitária que um belo dia resolve fazer felizes outras pessoas. 

A história não se dilui em sentimentalismo, até porque algumas das tentativas de Amélie dão com os burros nágua, como o romance que ela tenta armar entre a moça da tabacaria e o ex-namorado da garçonete do café onde trabalha. Mas suas demais aventuras são cheias de charme e de imaginação.

Uma personagem de Delicatessen, para tentar se matar, inventa mecanismos complicados tipo Rube Goldberg – uma porta que se abre, libera um peso, que aciona uma alavanca, que afasta uma vela, que queima um cordão, que derruba outro peso, que puxa outro cordão, que aciona um gatilho... 

Essa mesma mecânica de dezenas de efeitos complicados para cumprir uma função simples está por trás das maquinações de Amélie para descobrir quem é o homem misterioso que se faz fotografar nas cabines da estação ferroviária, e com isso atrair um rapaz que coleciona fotos rasgadas nessas cabines, pelo qual ela se apaixonou.

O roteiro é tão cheio de detalhes que somente ao ver o filme agora pela terceira vez percebi a função de vários deles. É uma dessas narrativas em que a gente não pode piscar o olho. Não porque seja de ação vertiginosa, como nos filmes dos X-Men; pelo contrário, a ação dos personagens é miúda, compassada, e ocorre numa Paris artificial que lembra a dos musicais da Metro. 

É a riqueza de detalhes (e o coração da protagonista) que faz do filme uma experiência de incessante prazer.






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