terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

1694) Plágios e variantes (16.8.2008)



(Malba Tahan)

Em 1948, o Ellery Queen’s Mystery Magazine publicou um conto do francês Maurice Level, “L’Encaisseur” (1920), sob o título “The Debt Collector”. Nele, um tal Ravenot, cobrador de um banco, é um funcionário honestíssimo e exemplar. Um dia, depois de executar várias dívidas vultosas, desaparece com 200 mil francos. Hospeda-se sob nome falso num hotel de subúrbio, vai até o escritório de um advogado e lhe entrega um envelope lacrado (com o dinheiro dentro) dizendo tratar-se de documentos de família. Anuncia que está indo para uma viagem, voltará dentro de alguns anos, e o envelope deve ser-lhe entregue sem qualquer identificação, bastando que ele diga chamar-se Henri Duverger.

O plano de Ravenot é simples. No dia seguinte ele se entrega à polícia, confessa o roubo, e diz que por sua vez foi assaltado, ficando sem o dinheiro. Ravenot tem 35 anos. Como tem bons antecedentes, pega cinco anos de prisão. Sai de lá com quarenta de idade e 200 mil francos para se estabelecer na vida. O problema é que quando está se encaminhando para o escritório do advogado, começa a fantasiar mentalmente como será sua chegada, sua entrada, o diálogo, até o momento em que diz: “Eu sou... eu sou...” E aí dá-lhe um branco. Ele não lembra mais o nome falso que usou.

Ravenot passa alguns dias em crise. Uma noite, desce até o rio Sena para molhar o rosto na água fria, e reavivar a memória. Escorrega, cai na água, e ao ser arrastado pela correnteza, começa a gritar em desespero: “Socorro! Meu nome é Duverger! Socorro!” Mas os Contos de Moral e Exemplo não perdoam, e ele afunda nas água do Sena.

É um conto minúsculo e perfeito, e o editor Ellery Queen o considera “provavelmente uma das histórias mais plagiadas da literatura moderna”. A tentação de reescrever uma história assim é quase irresistível. Queen diz ter ouvido em programas de rádio dos EUA pelo menos duas versões do conto de Level, sem menção ao nome do autor, e uma terceira versão, também radiofônica, num programa de rádio-teatro de primeira linha, em que o nome secreto é mudado de “Duverger” para “Heart’s Desire”.

Nosso Malba Tahan também fez sua variante. Um peregrino que vai a Meca confia todas as suas riquezas à guarda de um ulemá (espécie de juiz muçulmano), para lhe serem devolvidas na volta mediante uma senha, uma simples frase. Na volta de Meca é assaltado, vendido como escravo, e passa anos sofrendo tantas provações que quando regressa seu rosto está mudado, os cabelos embranquecidos, e ele não lembra mais qual foi a senha que deixou para reaver seus pertences. Sofre com isto durante meses, passando fome, vagando pela cidade sem um tostão, até que não resiste mais e vai ao ulemá. Quando começa a explicar o que aconteceu, o ulemá lhe diz: “Fique tranqüilo, já o reconheci por causa desse tique nervoso que você tem”. O final de Malba Tahan é menos trágico; mas é mais engenhoso, mais irônico, mais satisfatório.

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