Recife homenageou os cem anos do frevo. A imprensa deitou e rolou, saíram discos e livros, e na noite da terça-feira vi no Marco Zero uma orquestra com mais de 150 músicos tocando juntos, regidos por vários maestros, uns veteranos como Clóvis Pereira e Nunes, outros bem jovens como Dudinha. A data de nascimento do frevo é 9 de fevereiro de 1907, por ter sido esta a data em que se localizou a primeira referência à palavra “frevo” na imprensa.
No Nordeste é muito comum um casal ter um filho e só registrá-lo no cartório alguns anos depois. O registro é retroativo, e mesmo sendo feito hoje ele indica a data certa do nascimento. Infelizmente, não foi possível proceder assim no caso do frevo. Sabemos o dia em que a sociedade branca e urbana da capital pernambucana reconheceu oficialmente a existência daquela música. Não poderemos saber o dia em que ela surgiu, até porque não foi um dia específico, foi um processo que levou anos, décadas. Quando a imprensa de 1907, que decerto era muito mais conservadora e preconceituosa do que a de hoje, dignou-se a reconhecer a existência daquela folia, ela já devia estar rolando há vinte, trinta, quarenta anos.
Uma das muitas coisas bonitas que há no frevo é sua origem social. É um tipo de música que brotou no meio dos profissionais das classes populares, muitos deles negros, filhos de escravos ou de ex-escravos. José Ramos Tinhorão, num dos seus livros sobre a história social da MPB, fala da importância dos barbeiros como uma profissão de onde surgiram inúmeros músicos e agremiações musicais no século 19. No caso do frevo, isso ocorria a partir de clubes onde os profissionais se reuniam para tocar e dançar. O Clube dos Vassourinhas, ao que parece, era dos limpadores de ruas, os atuais garis; o Clube das Pás era dos carvoeiros, havia também os Lenhadores, e assim por diante. Claro que nem todos os clubes tinham este perfil de origem, mas nestas agremiações era possível garotos e rapazes aprenderem a ler uma partitura e tocar um instrumento. Cumpriram a função que as bandinhas municipais, as “sá zefinhas”, cumprem ainda hoje no imenso interior do Nordeste. O sujeito que sabe ler música e tocar um instrumento não fica sem trabalho num país como o nosso.
Os pernambucanos se orgulham do frevo, e têm todas as razões para isto. Existe nesse universo, além da música em si, uma bela história de sobrevivência social e afirmação pessoal. Talvez tenha sido esse entrelaçamento com associações profissionais que tenha garantido ao frevo uma solidez que o forró nunca teve. O forró pé-de-serra sempre foi uma atividade individual dos músicos, de pequenos grupos sobrevivendo por conta própria. Estão sendo aos poucos eliminados pelos gigantescos trios-elétricos do forró eletrônico, que já não são organizações de classe, e sim máquinas capitalistas. A gente sente orgulho e alegria vendo o estado atual do frevo, e imagina se para o forró pode ter uma salvação parecida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário