segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

0745) O amigo silencioso (7.8.2005)




(Peter Quasim)

O escritor australiano Greg Egan, a quem cito com freqüência nesta coluna, correspondeu-se durante alguns anos com um indiano da Cachemira chamado Peter Qasim, preso na Austrália por imigração ilegal. 

Sei pouco sobre Egan. Apesar de publicadíssimo e premiado, é um autor que não gosta de badalação; dele só se sabe que trabalha com informática e mora em Perth, na costa ocidental da Austrália (seu saite fica em: http://gregegan.customer.netspace.net.au/

Ele começou a se corresponder com Peter Qasim enquanto este movia um interminável processo para ser posto em liberdade. Trocavam opiniões sobre ciência, astronomia, livros, política e religião – sendo Egan um ateu convicto e Qasim um homem religioso. 

Depois de uma imensa batalha legal, Qasim foi finalmente libertado este ano, depois de 6 anos e 10 meses de prisão. Numa de suas cartas para Egan, Qasim afirmou que precisava de Deus “como um amigo na solidão, um amigo que não fala, não ri e não chora”. Achei bonita e madura essa descrição. Eu, como todo agnóstico, tenho uma pulga atrás da orelha para todos esses papos de gente que diz que conversa com Deus, que ouve conselhos de Deus, que Deus lhe ordenou que fizesse isso ou fizesse aquilo. 

É um pouco como esses caras que onde chegam dão um jeito de enfiar na conversa a informação de que são “assim” com o Presidente da República, sabe como é? Boa coisa eles não têm em mente.

Não digo que todo mundo que acredita conversar com Deus seja um desonesto; muitas vezes é apenas uma pessoa auto-sugestionável, que atribui a Deus os conselhos que dá a si próprio. “Eu estava sem saber se guardava o dinheiro ou se trocava de carro, aí fiz uma prece, e Deus me disse: “Que é isso, meu filho, troque de carro, afinal você merece, trabalha tanto...” 

O Deus de Peter Qasim tem outro perfil. Talvez perca um pouco dessa face paternal, aconchegante, mão-no-ombro; talvez não tenha essa capacidade (milagrosa, de fato) de dizer-nos exatamente aquilo que mais precisamos ouvir.

Esse Deus é como um sujeito a quem respeitamos e tememos, de quem gostamos, em quem confiamos. Ele não nos diz nada, mas está sempre do nosso lado, olhando, prestando uma atenção danada. Se agimos mal, ele não diz “Êpa!”, não interfere, nem sequer balança a cabeça em sinal de desaprovação. Não precisa. A gente já sabe o que pode e o que não pode. 

Ele está ali do lado para ver, e para ouvir; mas a decisão é nossa, e a confissão do erro, caso haja, é também iniciativa nossa. Ele não dá conselhos nem ordens. Se estamos num momento de depressão profunda, ele não surge envolto em luz para dizer: “Siga o seu coração...” Não precisa; nós já sabemos. 

A função dele é justamente, pela força catalisadora de sua presença, do simples fato de ele existir, nos levar à ação e à reflexão, nos conceder a liberdade e a responsabilidade, sabendo o tempo inteiro que não estamos sós. (Bem, pra quem acredita, imagino que deva ser assim.)






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