sábado, 29 de março de 2008

0321) A Redentora (31.3.2004)



(Colégio Estadual da Prata, foto atual, retirada do saite do prof. Badu, em http://www.colegiodaprata.xpg.com.br/)


O dia 31 de março está trazendo aos jornais uma enxurrada de memórias e testemunhos sobre a famosa “Redentora”, a Revolução de 31 de março – ou o Golpe de 1o. de abril, de acordo com o ponto de vista de quem se refere a nossa mais famosa quartelada. Eu tinha 13 anos nesse dia histórico, do qual guardo uma vaga lembrança que certamente não trará novas luzes sobre a História do Brasil, mas, enfim...

No dia do golpe eu estudava no Colégio Estadual da Prata, onde fazia o 3o. ano ginasial. Os colégios desse tempo tinham uma certa rigidez com negócio de farda. Era a calça e camisa cáqui com listas verdes, e o cara tinha que usar cinturão, meias e sapatos pretos. Até 31 de março ainda se podia ir com uniforme incompleto, mas dali em diante quem não fosse completo voltava da porta. Nesse dia, 1o. de abril, às 7 da manhã, eu e mais uma meia-dúzia fomos barrados porque faltava alguma coisa. Como minha família era muito metódica, não sei o que podia estar faltando – de repente peguei uma meia marrom-escuro em vez de preta, mas a fiscalização era rigorosa, e não pude entrar.

Àquela altura, já se sabia que alguma coisa diferente estava acontecendo no país, mas o único sinal disso era uma tropa de 10 ou 12 soldados de polícia postados diante de cada portão do colégio. Certamente para impedir que os milhares de secundaristas do Gigantão saíssem em passeata bradando slogans marxistas. O que estava, aliás, muito além da nossa capacidade. A gente se limitou a correr para aquela balaustrada do pátio aberto, aquele do lado direito, e ficar cantando: “Acorda Maria Bonita... levanta pra fazer café... que o dia já vem raiando... e os polidoros já tão de pé!”

“Polidoro”, para quem se lembra, era o apelido genérico dos soldados de polícia. Depois de muita gozação e cantoria, voltei para o apartamento de minha Tia Adiza, na Praça Félix Araújo, onde eu costumava passar uns dias de vez em quando, porque era perto do colégio. Mas me lembro que naquela mesma noite, ou na seguinte, fui jantar em casa, e meus pais ficavam com o rádio ligado o tempo inteiro, acompanhando aquela lenga-lenga: Jango vai resistir? Brizola tem tropas? Vai haver guerra civil? Logo a situação se definiu como uma vitória-sem-sangue dos militares. O rádio bradava, naquele adesismo eufórico de última hora, que a corrupção acabava de ser eliminada do país. Eu perguntei a meu pai se era verdade, e ele resmungou: “Não. Isso quer dizer apenas que acabou o furto, e vai começar o assalto-à-mão-armada.” Não deu outra.

Não mudou muito, na verdade. Março de 64 foi como aqueles pequenos abalos sísmicos que precedem o terremoto-pra-valer, ou o quase-enfarte que alerta o sujeito de que o próximo vai mandá-lo pro beleléu. Poucos períodos em nossa História devem ter sido tão intensos e vívidos quanto os anos entre aquela manhã e o ano de 1968 – quando o AI-5 instituiu de vez o regime “do baraço e do cutelo” na pátria amada. Mas sobre isso falarei em 13 de dezembro.

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