(Cartão postal com linchamento de negros em Duluth, Minesotta, 1920)
Na semana passada, os jornais do mundo inteiro reproduziram imagens dos norte-americanos linchados em Faluja, no Iraque. O carro em que vinham foi alvejado por bombas; os corpos carbonizados foram puxados para fora, chutados, arrastados, e depois pendurados nas vigas de uma ponte, onde foram apedrejados. É uma imagem chocante, ver aqueles espantalhos desengonçados de carvão, balançando ao vento e levando cacetadas de uma multidão eufórica. “SELVAGENS”, foi a manchete que brotou espontaneamente em vários jornais dos EUA. E de fato, qualquer sujeito civilizado sente um calafrio diante daquilo. E não tenho dúvidas de que para muitos norte-americanos bastou esta cena para provar que os iraquianos são uma sub-raça de gente sem ética, sem valores e sem religião.
A cena me trouxe à mente, no entanto, uma canção de Bob Dylan. É engraçado, tudo parece ter um paralelo nas canções de Dylan. É como se a obra dele fosse um índice remissivo do mundo contemporâneo. Está tudo lá: página tal, página tal... Pois eu me lembrei de “Desolation Row”, cujos versos iniciais dizem: “Os postais do linchamento estão sendo postos à venda; os passaportes estão sendo pintados de marrom” (“They´re selling postcards of the hanging, they´re painting the passports brown”). A canção, que é de 1966, pertence à fase meio surrealista de Dylan, e sempre achei que essa história de vender cartões postais com imagens de linchamento fosse um símbolo, uma polaróide imaginária do inconsciente dos EUA, de sua incontrolável vocação para mercantilizar tanto a beleza quanto o horror.
Como eu sou ingênuo. Algum tempo atrás, o mapa em linhas tortas do Acaso me conduziu à descoberta do livro de James Allen, Without Sanctuary: Photographs and Postcards of Lynching in America. Allen reuniu fotos e postais que eram usados como souvenirs (sic) dos linchamentos públicos de negros e de imigrantes, nas primeiras décadas do século 20. Este material está reunido no saite “Musarium: Without Sanctuary”, em: http://www.musarium.com/withoutsanctuary/main.html. Particularmente instrutivas são as fotos de número 4 (“Bennie Simmons, vivo, banhado em querosene e incendiado”, 1913), 6 (dois imigrantes italianos), 10 (cadáver de um negro numa cadeira de balanço, rosto lambuzado de tinta branca)... bem, são 81 fotos ao todo.
Não estou dizendo que por causa disto os americanos do Iraque mereciam ser linchados. Ninguém merece. Ninguém precisa ser linchado. Mas o ser humano é, como dizia Bilac, “capaz de horrores e de ações sublimes”. Não há nenhuma razão “a priori” para que um branco odeie um negro, ou um iraquiano odeie um americano. Mas basta criarmos as condições econômicas, sociais e culturais para isto, o Orc que existe em cada um de nós brota para fora, feliz da vida, doido para linchar, torturar, assassinar. Já vimos isto até na boa e velha Paraíba, não vimos? Então é só abrir o olho, e não deixar chegar a este ponto. Obrigado pela atenção.
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