quinta-feira, 27 de novembro de 2008

0648) Bilac e Leandro (16.4.2005)




Gosto de coincidências numéricas, até porque são as únicas indiscutíveis, as únicas que não dependem de uma projeção de nosso ponto de vista sobre os fatos. A cristalina frieza dos números que se encaixam uns nos outros faz um “clic”, e o resto é conosco. Revisando um texto recente sobre poesia, percebi uma coincidência singular: tanto Olavo Bilac quanto Leandro Gomes de Barros nasceram em 1865 e morreram em 1918. Isto faz com que dois dos maiores poetas brasileiros tenham existido precisamente no mesmo nicho cronológico, e por si só já bastaria para que algum estudante de Letras, entre as centenas que se formam anualmente em nossas faculdades, escolhesse como tema de sua futura tese de Mestrado algo como: “Bilac e Leandro: o Brasil Oficial e o Brasil Real através da Poesia”.

Bilac foi eleito em vida “O Príncipe dos Poetas Brasileiros”, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, e participou de campanhas cívicas como a Abolição da Escravatura e a instituição do Serviço Militar obrigatório. Vivia, portanto, no Brasil oficial. Leandro era um caboclo rude que saiu do sertão da Paraíba e fixou-se no Recife; não sei se algum dia terá sequer conhecido o Rio. Carlos Drummond (num texto reproduzido no livro de Irani Medeiros No Reino da Poesia Sertaneja, João Pessoa, Editora Idéia) compara a poesia dos dois, observa que a de Bilac “correspondia a uma zona limitada de bem-estar social, bebia inspiração européia”; e diz que se alguém merecia o epíteto de príncipe era Leandro e sua poesia “pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco”.

Não creio que o texto de Leandro fosse tão pobre assim, embora certamente o fosse se comparado à riqueza de nuances que um artesão como Bilac sabia extrair do decassílabo e do alexandrino. Bilac foi o maior artífice de um gênero, de um conjunto de preferências culturais que ele soube enfeixar com harmonia e refinar com perfeição. Quando um gênero cai de moda, é natural que o mestre daquilo mergulhe no esquecimento. Talvez daqui a 50 ou 100 anos surja no Brasil um novo surto de Parnasianismo e ele volte a ser o maior poeta brasileiro, e será a vez de Drummond e Cabral ficarem hibernando nas prateleiras.

Bilac celebrou como ninguém o amor romântico e o erotismo do corpo feminino; Leandro passou a vida descendo a ripa nas esposas, nas sogras e no casamento. Bilac mergulhou fundo na História clássica, na mitologia grega, nas grandes jornadas épicas dos conquistadores e desbravadores; Leandro estendeu-se no campo da sátira, da crônica cotidiana de costumes, da saga dos valentões e cangaceiros, e dos contos de aventura e encantamento. Um estudo minucioso das semelhanças e diferenças entre os dois poderia nos dar uma idéia desse complicado sistema de espelhos em que um poeta olha para o mundo à sua volta e produz textos que não apenas reflitam esse mundo mas também o enriqueçam. Pouco lembrados hoje em dia, Bilac e Leandro ainda explicam bem nosso país.



Um comentário:

Félix Maranganha disse...

Nós vivemos em uma cultura em que a laudação do obsoleto é lembrada, enquanto o riso maroto das esquinas e dos parapeitos de juremas permanece atrás do muro.

É uma pena que Leandro Gomes de Barros não seja contemplado nem mesmo entre as carteiras das salas de aula paraibanas. Uma pena!