Cresci devorando os livros infantis de Monteiro Lobato. Li cada um deles mais de trinta vezes. Alguns, como História do Mundo para as Crianças ou Emília no País da Gramática, não menos de cem. Por que? Acho que porque eu era meio burrinho e acabava me esquecendo. Só sei que a releitura sempre me deu tanto prazer quanto a leitura inicial.
Nunca me dei bem com a literatura adulta de Lobato, que mesmo assim tem vários contos bons. Mas o linguajar era pomposo, o que nos mostra que as crianças de 1930 eram mais contemporâneas nossas do que os adultos. Sessenta, setenta anos depois de escritos, os livros do Picapau Amarelo mantêm uma fluência espantosa de narração, de descrição, de diálogo, de peripécias. Claro que alguns livros são meras dramatizações para fins didáticos, de ensino de história, geografia, física, astronomia. Mas mesmo no interior destes há episódios de enorme originalidade. Não posso imaginar melhor introdução à mitologia grega do que O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules.
Sua trilogia de ficção científica é muitíssimo original. Viagem ao Céu (1932) daria um belo filme de animação, com o seu São Jorge, seus marcianos cheios de crocotós, a cena da patinação nos anéis de Saturno. A Chave do Tamanho (1942) é talvez nosso primeiro livro sobre miniaturização de seres humanos, e um livro curiosamente cruel e sombrio, refletindo talvez a época da Guerra. A Reforma da Natureza (1941) mostra Emília fazendo alterações absurdas no mundo natural, agigantando insetos, tudo que o cinema americano faria na década seguinte.
Os seus livros com temas especificamente rurais são deliciosos: O Saci (1921), Caçadas de Pedrinho (1933). Sem falar no mais rico de todos, Reinações de Narizinho, de 1931, mas cujas histórias isoladas já vinham sendo publicadas desde 1920. Nos livros de Lobato, os garotos do Sítio contracenam com Dom Quixote, Tom Mix, heróis da Mitologia grega, cientistas americanos, São Jorge e Peter Pan. Sua salada cultural tem a impressionante credibilidade das histórias escritas por quem escreve pensando na história, e não em si mesmo ou no mercado editorial.
Monteiro Lobato foi um entusiasta da civilização norte-americana, embora tivesse dela uma visão distorcida, como mostrou em seu livro adulto de FC, O Presidente Negro. Vivendo num Brasil rural, que saía da hibernação do Império para a modorra da República, ele via nos EUA um sonho futurista de eficiência, seriedade, pragmatismo e espírito científico. Fico imaginando como veria o Brasil de hoje, que está se americanizando da pior forma possível, absorvendo a negação dessas qualidades com que ele sonhava.
Existem bons autores de livros infantis hoje em dia, mas foram Lobato e Malba Tahan os escritores que formataram a cabeça de sucessivas gerações de brasileiros. Graças a eles, dezenas de milhões de garotos como eu escaparam da burrice. Um país que tem dois escritores como estes não pode dar errado.
2 comentários:
"Um país que tem dois escritores como estes não pode dar errado"...ãhn?
Lobato foi genial, ele fala em celular e internet no Presidente Negro. Mas não podemos esconder que ele era um dos líderes, junto com Renato Kehl e Roquete Pinto do movimento eugênico brasileiro. São as incoerências que acometem certos gênios, como Nelson Rodrigues por exemplo.
joseamerico@cesv.br
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