terça-feira, 21 de abril de 2020

4572) Meu curso de Natação (21.4.2020)





Fiz um curso intensivo de natação, num centro cultural que tem aqui entre Ipanema e o Leblon. Nem estava muito interessado, mas um amigo meu fez um trabalho para eles e ganhou algumas bolsas para alunos. Me ofereceu uma, e lá fui eu, por mera curiosidade.

As aulas foram à noite, de segunda a sexta. Na primeira noite tivemos uma conferência massa, de um figurão cujo nome esqueço, mas foi até de terno e gravata. Ele falou sobre “A Origem da Água”, assunto que nunca tinha me despertado a curiosidade, mas só naquela hora vi como era fascinante.

Claro que ele não estava falando na origem física da água, que afinal sabemos ser o famoso H2O presente na Natureza, e sim a origem dessa relação lúdica que o ser humano tem com a água. A água, explicava ele, se constituía como universo fluido do prazer, e como desafio carinhoso ao movimento corporal. Citou Gaston Bachelard, citou Jean Baudrillard, e outros nomes que anotei para futura referência.

Na segunda noite veio outro professor, que nos explicou “Os Segredos do Movimento”. Se a primeira conferência tinha sido filosófica, esta segunda teve um perfil de natureza mais técnica. Abriu com um Power Point minucioso a respeito dos músculos dos braços e das pernas, falou sobre os impulsos elétricos que o cérebro envia aos músculos, etc.  Depois exibiu uma animação mostrando exemplos de movimentos coordenados de braço, perna e pescoço, com contra-exemplos do “que não se deve fazer”.



Aula muito intrutiva, eu inclusive não sabia que temos dois hemisférios no cérebro, e que cada uma dessas metades coordena a metade oposta do corpo!  A esquerda comanda a direita, e a direita comanda a esquerda.

A terceira aula tinha como título (ainda guardo o programa, muito bem impresso) “O Mito de Sísifo”, e eu cocei a cabeça sem saber como encaixar aquilo no tema proposto. Mas a professora (uma francesa, que falava muito bem o português, com sotaque encantador) deu um banho, sem trocadilho.


Porque o mais importante na natação, disse ela, é o objetivo a ser alcançado, e a concentração mental a ser desenvolvida: ela citava o mito de Sísifo (aquele cara que empurrava uma pedra para o alto de um morro e quando ia chegando lá em cima a pedra escapulia, toda vez) para ilustrar que certas atividades podem parecer insensatas quanto à sua finalidade, mas se descobrirmos sentido e prazer na atividade em si, o meio torna-se um fim e isso nos traz a paz interior.

Voltei para casa transformado; um novo homem. Eu sentia uma verdade íntima muito grande no olhar dela quando cruzava com o meu. Os olhos dela eram cinza-azulados com reflexos índigo, uma coisa impressionante.


Na quarta aula, demos uma geral na história da natação. O professor era um sujeito pequeno, troncudo, meticuloso, de bigodinho bem aparado, que usava uma vareta de metal telescopável para apontar os gráficos, as tabelas de nomes e de números.

Ele dividiu tudo em vários períodos, que copiei diligentemente, mas agora só lembro o Período Empírico, o Período Olímpico, o Período Pré-Científico, o Período Científico... Lembro do momento em que ele apoiou a ponta da vareta na palma da outra mão, empurrou-a para dentro do cabo e disse com ar ameaçador: “E precisamos nos preparar para o Período Pós-Científico”.


A quinta e última aula foi com outra professora, uma senhora sessentona, de óculos, muito bem vestida e com excelente didática. Foi uma abordagem, como direi? Uma abordagem de cunho pessoal. Via-se que era uma ex-atleta, uma pessoa que apesar da idade mantinha um ritmo regular de atividade física. Alguém cochichou no meio da turma que ela era famosa, tinha ganho medalhas não sei onde.

Nadar, demonstrou ela, produz em nós um estado alterado de consciência. Nenhuma outra atividade envolve de modo tão radical nosso corpo, nossa mente, nossos instintos mais básicos, porque quem nada está escapando à morte em cada segundo e está empenhando cem por cento do seu Ser nessa conquista. Andar é falar a própria língua, comentou ela; nadar é dominar uma língua estrangeira. Mas – e aqui ela erguia um dedo de unha bem manicurada – uma língua estrangeira que é também a nossa Ur-Linguagem, nosso idioma primordial, no oceano esférico da placenta.

No final houve a entrega dos certificados, e um breve coquetel, em que confraternizamos. Gostei muito da experiência, e na semana que vem já me inscrevi para o curso de “Reportagem Jornalística”.











2 comentários:

Fraga disse...

Com este curso a seco, vc me fez rir o tempo todo, embora ñ tenha certeza se sua intenção foi essa. Abrrr!

Braulio Tavares disse...

Fraga, o texto é uma simples glosa a uma frase que usei tempos atrás em outro artigo: "Jornalismo se aprende na redação, e natação na água".