Fiz um curso intensivo de natação, num centro cultural que
tem aqui entre Ipanema e o Leblon. Nem estava muito interessado, mas um amigo
meu fez um trabalho para eles e ganhou algumas bolsas para alunos. Me ofereceu
uma, e lá fui eu, por mera curiosidade.
As aulas foram à noite, de segunda a sexta. Na primeira
noite tivemos uma conferência massa, de um figurão cujo nome esqueço, mas foi
até de terno e gravata. Ele falou sobre “A Origem da Água”, assunto que nunca
tinha me despertado a curiosidade, mas só naquela hora vi como era fascinante.
Claro que ele não estava falando na origem física da água,
que afinal sabemos ser o famoso H2O presente na Natureza, e sim a origem dessa
relação lúdica que o ser humano tem com a água. A água, explicava ele, se
constituía como universo fluido do prazer, e como desafio carinhoso ao
movimento corporal. Citou Gaston Bachelard, citou Jean Baudrillard, e outros
nomes que anotei para futura referência.
Na segunda noite veio outro professor, que nos explicou
“Os Segredos do Movimento”. Se a primeira conferência tinha sido filosófica,
esta segunda teve um perfil de natureza mais técnica. Abriu com um Power Point
minucioso a respeito dos músculos dos braços e das pernas, falou sobre os
impulsos elétricos que o cérebro envia aos músculos, etc. Depois exibiu uma animação mostrando exemplos
de movimentos coordenados de braço, perna e pescoço, com contra-exemplos do “que
não se deve fazer”.
Aula muito intrutiva, eu inclusive não sabia que temos
dois hemisférios no cérebro, e que cada uma dessas metades coordena a metade
oposta do corpo! A esquerda comanda a
direita, e a direita comanda a esquerda.
A terceira aula tinha como título (ainda guardo o
programa, muito bem impresso) “O Mito de Sísifo”, e eu cocei a cabeça sem saber
como encaixar aquilo no tema proposto. Mas a professora (uma francesa, que
falava muito bem o português, com sotaque encantador) deu um banho, sem
trocadilho.
Porque o mais importante na natação, disse ela, é o
objetivo a ser alcançado, e a concentração mental a ser desenvolvida: ela
citava o mito de Sísifo (aquele cara que empurrava uma pedra para o alto de um
morro e quando ia chegando lá em cima a pedra escapulia, toda vez) para
ilustrar que certas atividades podem parecer insensatas quanto à sua
finalidade, mas se descobrirmos sentido e prazer na atividade em si, o meio
torna-se um fim e isso nos traz a paz interior.
Voltei para casa transformado; um novo homem. Eu sentia
uma verdade íntima muito grande no olhar dela quando cruzava com o meu. Os
olhos dela eram cinza-azulados com reflexos índigo, uma coisa impressionante.
Na quarta aula, demos uma geral na história da natação. O
professor era um sujeito pequeno, troncudo, meticuloso, de bigodinho bem
aparado, que usava uma vareta de metal telescopável para apontar os gráficos,
as tabelas de nomes e de números.
Ele dividiu tudo em vários períodos, que copiei
diligentemente, mas agora só lembro o Período Empírico, o Período Olímpico, o
Período Pré-Científico, o Período Científico... Lembro do momento em que ele
apoiou a ponta da vareta na palma da outra mão, empurrou-a para dentro do cabo
e disse com ar ameaçador: “E precisamos nos preparar para o Período
Pós-Científico”.
A quinta e última aula foi com outra professora, uma
senhora sessentona, de óculos, muito bem vestida e com excelente didática. Foi
uma abordagem, como direi? Uma abordagem de cunho pessoal. Via-se que era uma
ex-atleta, uma pessoa que apesar da idade mantinha um ritmo regular de
atividade física. Alguém cochichou no meio da turma que ela era famosa, tinha
ganho medalhas não sei onde.
Nadar, demonstrou ela, produz em nós um estado alterado de
consciência. Nenhuma outra atividade envolve de modo tão radical nosso corpo,
nossa mente, nossos instintos mais básicos, porque quem nada está escapando à
morte em cada segundo e está empenhando cem por cento do seu Ser nessa
conquista. Andar é falar a própria língua, comentou ela; nadar é dominar uma
língua estrangeira. Mas – e aqui ela erguia um dedo de unha bem manicurada –
uma língua estrangeira que é também a nossa Ur-Linguagem, nosso idioma
primordial, no oceano esférico da placenta.
No final houve a entrega dos certificados, e um breve
coquetel, em que confraternizamos. Gostei muito da experiência, e na semana que
vem já me inscrevi para o curso de “Reportagem Jornalística”.
2 comentários:
Com este curso a seco, vc me fez rir o tempo todo, embora ñ tenha certeza se sua intenção foi essa. Abrrr!
Fraga, o texto é uma simples glosa a uma frase que usei tempos atrás em outro artigo: "Jornalismo se aprende na redação, e natação na água".
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