quinta-feira, 28 de março de 2019

4451) O Submarino Pernambucano (28.3.2019)



A gente que é literato ou artista se queixa das dificuldades para praticar a Arte num país como este. Pois eu vou dizer, pior ainda é pra quem é cientista. Porque afinal de contas o custo logístico de produzir um soneto ou um romance mede-se apenas em tempo de sobrevivência, alimentação, teto, saúde.

E pra fazer pesquisa científica? E para ser inventor? E para produzir protótipos que possam ser examinados e registrados por alguma agência competente? E para iniciar uma modesta produção industrial que torne a invenção visível aos olhos (e aos bolsos)  do mundo?



Pesquisando folhetos de cordel antigos, no caso a História Da Máquina Que Faz o Mundo Rodar, de Antonio Ferreira da Cruz (1876-1965), me deparei com umas referências que me fizeram coçar a cabeça, por não poder coçar o cérebro.

O folheto conta a história de um cara espertalhão, Manuel Galope, que alega ser capaz de construir uma Máquina capaz de fazer o mundo rodar. Ele descobriu esse segredo ao penetrar numa caverna subterrânea e chegar ao “eixo da terra”. Mas para construir a máquina ele precisa de dinheiro, e começa a vender ações do seu projeto. O povo se entusiasma e começa a adquirir as ações.

O folheto é de 1921, tem alguma referências tecnológicas de época (o poeta cita Santos Dumont, Augusto Severo), e a certa altura diz assim:

Quando ele findou a máquina
achou o trabalho bonito;
disse: – Enrico desta vez
no lugar em que habito...
Na primeira experiência
subiu para o infinito.

Depois que ele subiu
ficou o povo olhando
cantando Serena Estrela
e o tempo foi se passando;
ainda hoje não voltou
mas o povo está esperando...

Voltará como o Veríssimo
da grande barca “Minerva”
e quando ele chegar
trará dinheiro em conserva
aí prova seu trabalho
que ficará de reserva.

Eu acho uma delícia esta expressão, “cantando Serena Estrela”. Era decerto uma expressão irônica, aludindo a uma modinha muito em voga na época, de Pedro Luiz Pereira de Souza:

Serena estrela, no meu céu não viste
Pálida e triste vai morrer além....
Hoje findou-se meu extremo gozo
E é já forçoso que me vá também....
Amei-te tanto, foi paixão sincera,
Na primavera nosso amor nasceu...
Chegamos hoje ao derradeiro lance
Desse romance que me enlouqueceu. (...)

Aqui há uma gravação recente, com Tavinho Moura:


Mas a referência mais obscura é a esse tal “Veríssimo”, que ele cita como exemplo de alguma coisa, e essa “barca Minerva”.

Peguei um foguete positrônico e fui à periferia do Sistema Solar consultar a Enciclopédia Galáctica, ou seja, joguei os nomes no Google. O que descobri vem a seguir (sempre lembrando que o folheto é de 1921).

Virissimo [sic] Barboza de Souza foi um cientista e empreendedor pernambucano que em 1891 patenteou, nos Estados Unidos, um modelo de submarino com uma idéia original e engenhosa, embora fosse um projeto meio relapso em outros aspectos.

Traduzo abaixo o parágrafo onde ele é mencionado na obra The Story of the Submarine, from the Earliest Ages to the Present Day, de Cyril Field, da Universidade de Filadélfia (J. B. Lippincott Company, 1908):

Um brasileiro, o sr. Virissimo Barboza de Souza, teve uma idéia para um submarino, em 1891, que seria bastante engenhosa caso pudesse ser factível. Mas como a máquina nunca foi construída, a questão não foi resolvida ainda. O seu esquema previa um barco longo e cilíndrico, com extremidades em forma de cone, cujos motores seriam propulsionados por qualquer meio que na ocasião parecesse mais adequado aos especialistas. O autor não tinha preferência especial por nenhum sistema, contanto que pudesse fazer o barco navegar normalmente. A parte original da invenção era que a parte central do submarino seria uma embarcação menor, contida em si mesma, de tal modo que na eventualidade de um acidente, tanto a extremidade dianteira, quanto a traseira, ou ambas, podiam ser liberadas, como o rabo de um lagarto, e a parte restante poderia continuar navegando por conta própria. (pág. 254)

Era uma idéia bem bolada, numa época em que todo mundo já tinha lido as Vinte Mil Léguas Submarinas de Julio Verne, e alguns protótipos já tinham mesmo sido usados em 1864, na Guerra da Secessão norte-americana.

E era também um momento em que todo mundo tinha uma idéia genial e corria a patenteá-la, por mais escalafobética que fosse. O mesmo autor comenta, aliás, em outro trecho:

O barco submarino proposto pelo sr. Gerber de San Francisco em 1887 é uma das engenhocas mais toscas e mais extraordinárias, se é que o diagrama fornecido pelo inventor corresponde realmente a sua idéia; uma concepção tal que dificilmente pode ser considerada o produto de uma mente sã. Num período em que o vapor e a eletricidade estão disponíveis como meios de propulsão, sugerir que um tal barco fosse impelido manualmente através de remos e rodas munidos de faixas elásticas é um óbvio anacronismo, e quando ficamos sabendo que o inventor considera como principal objetivo da construção desse barco submarino a busca das rodas das carruagens do Faraó no fundo do Mar Vermelho, começamos a questionar se a idéia do sr. Gerber deve ser levada a sério.

Num contexto como este, o bravo Virissimo se destaca, com sua idéia de “estágios” isolados, estanques, em relação ao corpo principal do barco.

Sua invenção é mencionada em outra obra, Les Bateaux Sous Marin – Historique, de F. Forest e H. Noalhat (Paris 1900):


Barboza (1891)
O barco submarino do sr. Virissimo Barboza de Souza, de Pernambuco, é indicado da seguinte maneira:
Ele consiste em três blocos que podem ser separados à vontade, caso algum deles venha a sofrer uma avaria grave.
Nenhum detalhe é fornecido quanto à maneira de encaixar esses blocos entre si, nem do modo de desatarraxá-los, nem de como seria a transferência de um compartimento condenado para um compartimento intacto.
Não há sequer no projeto a indicação de portas de entrada ou de saída.
Também estão faltando os detalhes da forma de propulsão e de imersão, bem como a patente requerida. (pag. 221)

Uma tentativa meio prematura de registrar uma idéia, talvez pela ânsia, comum em muitos inventores, de demarcar logo o terreno para que alguém não lhe passe à frente.

E buscando por aí a gente encontra também (num saite de leilões de documentos) uma reprodução dos documentos relativos aos acionistas do projeto, que ficamos sabendo ter como nome “Companhia Minerva Progresso Pernambucano”.



Mais do que ao submarino, o poeta de cordel está atento aos acionistas que ajudaram a financiar o projeto de Virissimo... e também aos que, na sua história, fornecem a Manuel Galope a grana com que ele desaparece no espaço.









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