Se você soubesse, com certeza bastante concreta, que o mundo ia se acabar (conflito nuclear, ou catástrofe ambiental, ou meteoro, etc.), o que você faria – se tivesse um bilhão de dólares pra investir?
Vocês eu não
sei. Mas eu procuraria um lugar relativamente afastado e seguro (montanha,
espaço subterrâneo, etc.) e usaria meu bilhão para construir ali um abrigo onde
eu, minha família e alguns amigos pudéssemos ficar em segurança. Durante
algumas décadas. Preparando-nos para sair dali um dia... e repovoar a Terra.
É um sonho
antigo da humanidade (Arca de Noé, etc.). A versão atual é um sonho recente.
Começou durante a Guerra Fria, com a possibilidade do extermínio nuclear.
Me vem à mente a
sequência final do Dr. Fantástico de
Stanley Kubrick – os generais norte-americanos (com George C. Scott à frente) ficam
entusiasmados com a sugestão do dr. Fantástico (Peter Sellers):
DR. FANTÁSTICO
Sr. Presidente, eu não descartaria
a possibilidade de preservarmos um núcleo da espécie humana no fundo das nossas
mais profundas galerias de mineração. (...) Reatores nucleares poderiam
fornecer energia por um tempo indefinido. Vegetais poderiam produzidos em
estufas. Animais poderiam ser criados e abatidos. Poderíamos fornecer
instalações adequadas para algumas centenas de milhares de pessoas.
PRESIDENTE MUFFLEY
Eu detestaria ter que decidir
quem ficaria por cima e quem entraria no buraco.
DR. FANTÁSTICO
Poderemos programar um
computador com parâmetros de juventude, saúde, fertilidade sexual,
inteligência, e uma variedade de qualificações técnicas. Seria absolutamente
vital, é claro, que nossas lideranças políticas e militares fossem incluídas, para
poderem preservar e transmitir os nossos princípios de tradição e de liderança.
Parece
improvável? Pode até ser, mas eu vi esse filme com 17 anos e desde então essa
hipótese nunca foi afastada da minha mente. Dou até hoje como favas-contadas o
fato de que é exatamente isso uma das coisas que o Pentágono e seus satélites vêm
fazendo desde então. Continua plausível. Porque é mais ou menos o que eu faria, se estivesse no lugar deles.
De lá pra cá,
meio século se passou. Serei otimista a ponto de imaginar que essas “lideranças
políticas e militares” estão dando-de-barato que o mundo não vai ter problemas?
Acho que não.
Nem vou falar em
guerra nuclear. É uma possibilidade um tanto mais remota, agora que a Rússia
conseguiu instalar o seu “Mandchurian Candidate”, Donald Trump, na Casa Branca.
Mas a situação
se agrava em outras frentes. Li há pouco no websaite do Terra esta matéria
sobre recursos naturais do planeta:
No próximo dia 1º de agosto, a população mundial terá consumido todos os
recursos naturais - frutas, verduras, carnes, peixes, água, madeira e etc. -
disponíveis para 2018 e começará a retirar do planeta mais do que ele pode
oferecer.
Essa data é chamada de "Earth Overshoot Day",
ou, em português, Dia da Sobrecarga da Terra, e é calculada anualmente pela
organização internacional Global Footprint Network - em 2017, a população
esgotou os recursos do planeta para aquele ano em 2 de agosto.
Segundo a entidade, para satisfazer as necessidades de
recursos naturais da população global seria preciso ter uma Terra e mais 70% de
outra. O ser humano passou a consumir acima da capacidade de regeneração da
natureza na década de 1970, e, desde então, o Dia da Sobrecarga acontece cada
vez mais cedo.
No entanto, a exploração não se dá de forma equilibrada
por todo o planeta: se todos vivessem como os habitantes dos Estados Unidos,
por exemplo, seriam necessárias cinco Terras; se tivessem o mesmo padrão de
consumo dos indianos, por outro lado, 0,7 Terra já seria o bastante.
Link:
E enquanto isto,
os Muito Ricos estão preparando suas futuras Zonas de Conforto.
O websaite da
CNN publicou ano passado a matéria de Elizabeth Stamp intitulada Os bunkers dos bilionários: como os 1% estão
se preparando para o Apocalipse.
Aqui a matéria
completa (com galeria de fotos):
O texto explica
que os bunkers de proteção
antinuclear dos anos 1950 eram porões de cimento cheios de comida enlatada e
água mineral. A boa notícia é que os bunkers
de hoje deixam no chinelo algumas suítes presidenciais de Dubai. Quem tem
dinheiro pesado investe pesadamente no próprio futuro, e tem que ser um futuro
que não deixe saudades do presente.
Aconselho uma olhada na galeria de imagens destes saites. Algumas parecem estar ao ar livre, mas os bunkers dispõem de luz solar artificial,
plantas, gramados. Para não falar em “jardim subterrâneo, piscina, spa, cinema
e adegas.” Ou em bibliotecas luxuosas, suítes e alcovas 5 estrelas.
Uma das empresas
que estão faturando alto com esse Luxo Apocalíptico é a Vivos (terravivos.com), que em sua página de acolhida afirma:
VIVOS não é apenas uma empresa
que produz abrigos subterrâneos. É uma rede de comunidades de pessoas com
mentalidade semelhante, que dão apoio umas às outras para que tenham melhores
chances de sobreviver praticamente qualquer desastre.
(Vivos Europa One: um dos 34 apartamentos 5
estrelas deste complexo)
Outra empresa é
a Rising S Company, cuja instalações
são meio espartanas comparadas à fidalguia da Vivo, mas tornam-se sedutoras quando você faz a conta na ponta do
lápis e percebe que esse abrigo pode ser financiado a partir de 65 mil dólares,
um preço mais ao alcance da classe-média norte-americana (imagino eu).
A matéria cita
também o saite da companhia tcheca The
Oppidum, que se anuncia como O Maior
Bunker de Bilionários do Mundo. Fui olhar, todo animado, e me deparei com
esta página de acesso:
Mas enfim... A
situação é esta. Não está fácil para nós, que temos tão pouco a perder; como
minimizar a angústia de quem está correndo o risco de perder bilhões?!
Essa angústia
gera outro tipo de problemas, relatados por Douglas Rushkoff (https://en.wikipedia.org/wiki/Douglas_Rushkoff)
na matéria Sobrevivência dos Mais Ricos.
Diz ele que foi convidado, meio laconicamente, para dar uma palestra para “banqueiros
de investimentos”, recebendo como cachê da palestra o equivalente a seis meses
de seu salário como professor.
Chegando no
local, descobriu que a palestra não era num teatro ou auditório. Era numa sala,
ao redor de uma mesa onde estavam sentados cinco homens. Ele estava ali como
consultor especializadíssimo para as perguntas que estes cinco homens tinham a
fazer.
“Que região vai
sofrer menor impacto na crise ambiental: Nova Zelândia ou Alasca? O Google está
mesmo construindo um receptáculo para o cérebro de Ray Kurzweil, e será que a
consciência dele continuará se mantendo durante e após a transferência? E como
será possível manter a lealdade das equipes de segurança que estarão cuidando
do meu bunker após O Evento [era este
o termo empregado continuamente]?”
Para Rushkoff,
estes homens, cuja fortuna pessoal e poder político é equivalente à de outros
mais famosos (Bill Gates, Elon Musk, Jeff Bezos, etc. etc.) não estão mais
preocupados em investir seu dinheiro para evitar O Evento, ou minimizar suas
consequências. Sua preocupação é sobreviver a O Evento com segurança; e
emergir, de algum modo, depois que a tempestade passar.
Um comentário:
O livro "Homens do Fim do Mundo" de P.D.Smith conta a história da criação da bomba atômica. Para explicar como pessoas inteligentes se dedicaram a desenvolver essas armas de triste potencial, P.D.Smith usa textos da ficção científica da época corrente. No início do século, acreditava-se que a ciência chegaria a um ponto de evolução no qual a fome e a guerra seriam abdicadas. Com o passar das décadas, esse ponto de vista ingênuo foi ficando de lado.
Há uma longa descrição sobre a criação do filme Dr Fantástico, que torna o livro muito interessante para os fãs de Kubrick.
O livro original onde se baseou o roteiro era uma aventura séria. Foi Kubrick quem o transformou em comédia. O autor (não lembro o nome) não fez nenhuma obra de destaque após o filme (e o próprio livro foi esquecido). Suicidou-se anos depois.
No filme, há a menção aos "homens da Rand Corporation". Essa Rand Corporation é uma entidade da extrema direita norte-americana (baseada nas ideias da objetivista Ayn Rand).
Segundo P.D.Smith, havia estudos da Rand Corporation (interessados na eclosão da Guerra Nuclear) que analisavam com esperança a possibilidade da humanidade se recuperar após o confronto.
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