Já comentei aqui no blog (http://mundofantasmo.blogspot.com.br/2011/10/2700-spoilers-29102011.html)
uma pesquisa com leitores de contos em que era avaliada a reação de leitores a
uma história dramática quando alguns já sabiam o desfecho do enredo, e outros não.
“Estudos comprovaram” que a apreciação de uma obra não
era prejudicada pelos “spoilers”. Ao contrário. As pessoas (de um modo geral)
se envolviam mais e ficavam mais satisfeitas quando eram avisadas antes da
leitura, por um texto introdutório, de como a história iria acabar.
“Cada grupo recebeu
versões diferentes de cada história: no primeiro, o segredo ou surpresa da
história era revelado numa breve introdução antes do início; em outro, essa
revelação era integrada à história original como se fizesse parte dela; um
terceiro grupo recebia a história intacta. Os pesquisadores constataram que as
pessoas gostavam mais das histórias cujo final era revelado por antecipação; e
curiosamente isto só ocorria quando o final era revelado num parágrafo à parte,
como introdução ao conto. Quando a revelação era integrada à história, não
havia diferença visível no grau de apreciação.”
(Digressão: Palavrinha chata de traduzir, essa tal de
“spoiler”. O spoiler é um trecho falado ou escrito, um fragmento qualquer de
informação (foto, capa de livro, etc.), que revela um segredo da história, algo
que em princípio o leitor deveria ignorar até o momento; a grande revelação.
Dizer como, em português? “Estraga-prazeres”, “desmancha-prazeres”? Estes
termos se referem a quem faz a revelação, não ao texto onde a revelação é
feita.)
Temos uma mente teleológica, uma herança por um lado da
tradição greco-romana de filosofia, direito, etc., e por outro lado da
visão-do-mundo judaico-cristã. Tudo converge para uma Redenção final. O Universo pode ter começado com um ganido,
mas tem que acabar num Big Bang.
Somos (o Ocidente) uma civilização linear. Nossa noção de
Tempo é um vetor, uma seta orientada, encaminhando-se ao longo de uma dimensão
do espaçotempo. E temos uma espécie de obrigação
moral de fazer com que tudo tenha começo, meio e fim. A mais básica definição
de “história”, conto, novela, etc., inclui este aspecto. Um começo, um meio e
um fim – e sempre nesta ordem. (Jean-Luc Godard sugeria usar todos três, mas
misturados.)
Qual a diferença, então, entre uma história sem spoiler e
com spoiler?
Quem não gosta de spoiler é porque prefere a surpresa, a
incerteza, o mistério impenetrável que se resolve no fim, ao longo de duas ou
três páginas. Gosta de ir até os 95% do livro mantendo vivas na mente várias
hipóteses que se excluem mutuamente, até ficar sabendo qual delas prevalece. No
clímax, o mistério colapsa numa solução. The End.
Quem não se preocupa muito com o spoiler não tem como
prioridade saborear a resolução do mistério. Talvez goste de adentrar esse
universo já pisando com os coturnos da certeza.
Ao iniciar a leitura de um romance policial sabendo que o
assassino é o jardineiro da casa vizinha à da vítima, o leitor se despreocupa
de tecer hipóteses sobre os outros personagens, e pode muito bem extrair um
prazer de outra natureza ao ver a dissimulação do criminoso ao ser interrogado,
e ao acompanhar o modo como o cerco se fecha sobre ele. Esse leitor é uma
espécie de deus, que já enxerga o futuro lá de seu camarote.
Para algumas pessoas, já-saber-o-final soma uma camada de
interesse a mais ao longo da leitura, que deixa de ser uma leitura em-aberto,
de um texto onde qualquer coisa ainda pode acontecer. E passa a ser um texto com
final visível (pelo menos nesse aspecto: “o assassino é o pai da moça”) e onde
se desenrola um novo tipo de jogo. Esse leitor, mais bem informado, não se
deixa manipular tanto pelo autor quanto um leitor inocente, sem-saber-ainda.
O filme A Chegada
(“Arrival”) de Dennis Villeneuve (baseado num conto de Ted Chiang) imagina uma
raça de alienígenas que tentam se comunicar conosco. A protagonista do conto
percebe que as frases com que eles tentam se comunicar só revelam seu sentido
completo quando chegam ao fim, como se só então o sentido pudesse ser visível.
Como aquelas longas frases em alemão onde o verbo só é revelado no fim.
Ela compara isto ao fenômeno da refração da luz na água. Um
raio de luz, ao mudar do ar para a água, de densidade bem diferente, muda de
direção e acha instantaneamente o rumo que lhe será mais econômico em termos de
deslocamento. Ou seja: ela encontra a distância mais curta entre os dois
pontos, o ponto onde toca a água e o ponto onde chega no final.
O cálculo estava pronto?, pergunta ela. O raio de luz já
sabia que ia incidir numa lâmina dágua, e já partiu num ângulo exato de tocá-la
no ponto necessário, calculando uma refração que ainda não aconteceu?
É esse o tipo de visão do leitor do livro de mistério que
já sabe como termina. Ele já avista o ponto onde ainda não chegou (“o assassino
de todos é o juiz”), mas ele vai direto para lá. É uma leitura diferente,
sabendo o verdadeiro sexo do personagem A, ou como saiu o assassino do quarto
fechado B, ou quem foi o espião que ganhou uma guerra na aventura C.
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