(ilustração: Chaval)
Bruce Mau
é um arquiteto e designer canadense, que em 1998 criou um manifesto artístico a
que chamou “An Incomplete Manifesto for Growth” (Um Manifesto Incompleto pelo
Crescimento). Uma série de dicas inspiradoras, ou de auto-ajuda criativa, desse
tipo que não resolve nenhum problema específico, mas proporciona um clima
intelectual positivo para o surgimento de novas idéias e novas práticas. Já
postei aqui alguns itens desse manifesto (aqui: http://mundofantasmo.blogspot.com.br/2011/07/2620-incomplete-manifesto-2872011.html).
Hoje
comento mais alguns.
Esqueça o “bom”. “Bom” é algo que já se sabe o que é. “Bom” é tudo aquilo que a gente já concorda. O
crescimento não é necessariamente bom. O crescimento é a exploração de recessos
ainda não-iluminados que podem ou não render algo para nossa pesquisa. Enquanto
você continuar preso ao que é “bom” nunca terá um crescimento verdadeiro.
BT: O bom é a repetição do que já foi testado e aprovado. A
indústria vive disso, vive do que comprovadamente funciona e dá lucro. Mas toda
indústria (eletrônica, mecânica, o escambau) tem o seu setor de pesquisa, onde
se trabalha justamente com o que não foi testado ainda. Os artistas servem como
uma espécie de setor de pesquisa, porque a indústria cultural trabalha somente
com o “bom”, o testado e aprovado. Na televisão, por exemplo, a única maneira
de fazer uma coisa radicalmente nova é convencendo os executivos (mentindo, de
forma convincente) de que aquilo já foi feito antes e deu certo, ou seja,
aquilo é “bom”.
Dizemos que os executivos de TV são burros, são bitolados, não têm
cultura, etc., mas a verdade é que eles não querem botar a cabeça na guilhotina
para defender uma coisa diferente, que eles não têm condições de saber se é
“boa” ou não. Eles defendem o “bom”. Mas se você não é um executivo, se você é
(ou imagina que é, ou tem ambição de ser) um artista, tem que esquecer esse
critério. Talvez até surja um futuro conceito de “bom” a partir desse trabalho
novo que está sendo criado. O excêntrico, o anticonvencional e o chocante de
hoje podem se tornar o “bom” de daqui a 10 ou 20 anos.
Ou, como disse o poeta Chacal: “Só o impossível acontece. O
possível apenas se repete.”
Colha idéias. Edite aplicações. Idéias precisam de um ambiente dinâmico, fluido,
genroso, capaz de mantê-las vivas. As aplicações dessas idéias, por outro lado,
precisam ser aperfeiçoadas pelo rigor crítico. Você tem que produzir um número
de idéias muito grande em relação às aplicações.
BT: Existem muitas formulações diferentes desse princípio
básico. A mais divertida é a de Hemingway: “Escreva bêbado, revise sóbrio”. O
processo criativo tem esses dois movimentos. O primeiro é de expansão, quando
procuramos fazer jorrar o maior número possível de idéias. O segundo é de
contração, quando vamos podando aquele matagal até dar-lhe uma forma que nos
agrada. No cinema, por exemplo, existe uma antiga lei chamada de “Lei dos 8 por
1”, em que para cada minuto de filme na tela é preciso filmar oito e cortar
sete. No primeiro momento, deve predominar o entusiasmo, a alegria de inventar,
a disponibilidade para incorporar o acaso, as venetas, os improvisos. No
segundo momento, deve predominar o senso crítico, o equilíbrio, o olho voltado
para o público.
Fique acordado até tarde. Coisas estranhas acontecem quando você vai longe
demais, fica acordado por tempo demais, trabalha duro demais, e se separa do
resto do mundo.
BT: O “ficar acordado até tarde” não
precisa ser levado muito ao pé da letra. Para algumas pessoas, onze da noite já
é o máximo da vigília. A idéia dessa sugestão é que um certo grau de cansaço
físico e mental é necessário para que a mente faça tentativas mais vigorosas de
ter as idéias necessárias. O conforto e o bem-estar nem sempre geram boas
idéias. Um certo grau de cansaço faz algumas mentes (algumas, porque esses
conselhos, claro, não sevrem para 100% da população) produzirem suas melhores
idéias.
Já me aconteceu estar trabalhando num
novo capítulo de um livro das 11 da noite até as 3 da madrugada, e na hora em
que terminei estava tão cansado que quando apareceu a mensagem: “Deseja salvar
as alterações neste arquivo?” eu cliquei “não”, e o arquivo foi pro espaço.
Eu estava tão cansado que pensei,
drummondianamente, “amanhã recomeço”. Mas logo em seguida pensei: “amanhã terei
esquecido tudo”. E refiz o capítulo todo em uma hora e meia, e ficou muito
melhor do que antes, porque tudo ainda estava vívido na minha memória. O cansaço
e a concentração se juntaram para “limar” tudo da mente e deixar só o
essencial.
Pausas para cafezinho, corridas de
táxi, salas de espera. O verdadero
crescimento das idéias acaba se dando do lado de fora de onde o programamos,
naquilo que o Dr. Seuss chamava “o lugar da espera”. Hans Ulrich Obrist
organizou certa vez um simpósio sobre Arte e Ciência, com toda a infraestrutura
de um simpósio (as festas, os bate-papos, os almoços, os traslados entre
aeroporto e hotel) mas sem nenhuma conferência. Ao que parece, foi muito bem
sucedido e deu origem a muitas colaborações fecundas.
BT: A experiência de Obrist é radical, e
não duvido que tenha dado certo. Mas vamos tirar o foco do exemplo e trazer
para o conceito abstrato. Num ambiente criativo (estúdio de cinema ou de
música, laboratório, ensaio teatral ou de dança, etc.) é preciso que existam
lado a lado o espaço oficial e o não-oficial, o tempo oficial e o não-oficial,
e que as pessoas sejam estimuladas a se sentir à vontade nos dois. Quando fiz
faculdade, aprendi muita coisa na sala de aula, mas aprendi mais ainda na
biblioteca e na cantina. Durante filmagens ou gravações de TV, muitas soluções
aparecem quando a gente “pede tempo”, anuncia uma pausa de meia hora e vai na
padaria da esquina. Basta a mudança de contexto externo para os cérebros darem
uma revirada no contexto interno e alguém erguer o dedo dizendo: “Que tal
se...?”
Este conselho serve para equilibrar o
anterior, o de ir até o limite da exaustão. Mudar de ares, fazer uma pausa,
tudo isto também funciona. Basta ter em mente que nem toda pessoa é produtiva
da mesma forma; e que até a mesma pessoa pode render melhor num dia sendo
submetida a um tipo de esforço, e no dia seguinte, ou no ano seguinte, a outro
tipo. O trabalho criativo é imprevisível. Se você faz um trabalho burocrático
pode calcular (eu fazia isso quando trabalhava em escritório) quantos ofícios
vai poder datilografar em uma hora. Mas não pode prever, se é escritor, quantas
cenas ou quantos parágrafos vai produzir naquele dia, a menos que você ache que
produzir duas páginas de bom texto e duas páginas de besteira equivalem ao
mesmo rendimento.
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