domingo, 28 de dezembro de 2014

3696) Reescrever (28.12.2014)



(manuscrito de George Orwell para 1984)

John Casey é um romancista com alguns livros premiados, e reuniu num volume (Beyond the First Draft: The Art of Fiction) reflexões a partir de suas palestras nos Encontros de Escritores de Sewanee, dos quais ele participa.  Que me perdoem os colegas críticos e teóricos da literatura, mas em termos de discussão do ato da escrita eu prefiro dar atenção ao que dizem os escritores. É mais perto da experiência real de quem escreve.  Crítico literário é muito bom para avaliar o que já está publicado.  Pra ajudar a enfrentar a página em branco e o arquivo zero byte, só escritor.

Casey diz, logo no começo: “Não posso ensinar uma pessoa a escrever, mas às vezes posso ensiná-la a reescrever”.  Isso me lembrou outra sugestão que não sei se é de Hemingway ou de Faulkner, mas poderia ser uma colaboração de ambos: “Escreva bêbado, reescreva sóbrio”.  A escrita envolve dois tipos de ação, cada um suprindo as limitações do outro.  Há um primeiro movimento que é o Despejo, onde o sujeito derrama em cima da página toda a confusão mental de que fica possuído no momento em que inventa de contar uma história.  É um momento de liberação do inconsciente, como se diz; um momento em que ele precisa remexer bem no fundo de um baú de coisas nunca-ditas e dizê-las pela primeira vez.

Depois vem o segundo momento, em que uma mente mais racional e crítica vai capinar esse matagal de rascunhos, arrancando o que não se aproveita. É nessa parte que (segundo Casey) um olhar externo pode ajudar.  O olhar de alguém capaz de perceber o que estava acontecendo na mente do autor e dizer-lhe: isto está longo, isto está curto, isto é repetição, isto é imitação, isto está muito verde ainda, isto é clichê.  Sempre (acho eu) pedindo para que o autor mude, mas refreando a vontade de sugerir a mudança.  Quem passa pente-fino em texto alheio tem o direito de criticar e sugerir mudanças, mas não de impor frases suas.

Um problema que se vê muito por aí é texto que não foi revisado. (Não falo em manuscritos: falo em livro publicado em editora profissional.)  Houve uma revisão ortográfica, mas às vezes penso que o que está ali é o primeiro rascunho, a primeira versão, com todas as suas repetições, redundâncias, imprecisões, incoerências, quebras involuntárias de fluxo narrativo. Revisar um texto não é passar corretor ortográfico.  Vários destes meus artigos são enviados sem uma revisão decente, devido à pressa.  Mas livro não tem a desculpa-esfarrapada da pressa.  Livro fica meses nos corredores da editora.  Dá tempo de reescrever, sim. Às vezes a pressa em publicar é tanta que o autor publica aquilo do jeito que jogou no papel, e se queima para sempre.





2 comentários:

Anônimo disse...

Lewis Carroll falava: "Eu não tenho pressa."

Sergio Lang disse...

Levei sete anos, entre a centelha primeva e a publicação, para lançar o meu romance de estreia "República Paradiso, Crimes e Segredos". Não me arrependo.