quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

3674) Detetives do Sobrenatural (3.12.2014)



(ilustração: Romero Cavalcanti)

Corro o risco de estar cansando os leitores que me leem mais regularmente, mas vou comentar de novo minha antologia “Detetives do Sobrenatural”, que acabou de sair pela Casa da Palavra.  A melhor coisa de ser antologista é o dever moral de ler dezenas de volumes de contos alheios, e não tem coisa melhor do que isto, quando a gente tem plenos poderes para escolher o que publicar.  E em alguns casos nem precisa procurar muito, porque na primeira tomada de nota sobre o assunto já aparecem 15 ou 20 histórias já lidas, como opções mais imediatas.

Os Detetives do Oculto, como também são chamados, pisam um terreno minado, porque muitos deles não se limitam a fazer deducções numa poltrona: visitam ambientes “carregados”, encenam rituais, entram em combate direto com forças titânicas, ou satânicas, de ordem supra-material.  O gênero usa até com certa contenção o “mumbo-jumbo” teórico (com palavras tipo “plasma”, “etéreo”, etc.) além de conceitos bastante vitorianos como o duplo, o espelho, o simulacro, o mundo supramaterial... Eles examinam casas onde há fenômenos poltergeist, aparições de fantasmas, ataques de seres estranhos, eventos insólitos e inexplicáveis.

Têm um pouco de Sherlock Holmes, como é o caso (na minha antologia) de Bell (de Meade & Eustace), o Flaxman Low dos Heron, o Carnacki de Hodgson – o mais high-tech de todos, enfrentando horrores pré-lovecraftianos.  Eu chamaria a atenção para dois desses “sleuths”. Um deles é o Tio Abner, de Melville Davisson Post (autor de contos policiais de época, num meio rural austero e tenso).  No conto que escolhi, Abner enfrenta poderes do outro mundo, mas seu confronto é regido pela sua capacidade de ler pistas, de perceber intenções, de dar atenção a detalhezinhos que ninguém percebe.  Um varão tonitruante e contido do Velho Testamento, vestindo roupa de cowboy, com uma mão no revólver e a outra sobre a Bíblia.

O outro é o mais famoso detetive-do-oculto-cantador-de-viola que eu já vi: John the Balladeer, o violeiro errante de Manly Wade Wellman, informadíssimo e fluente em lendas e folclore e cultura de almanaques, sempre tirando da cartola de repentista (e da viola com cordas mágicas de prata) a canção certa para qualquer momento. Digo que ele é o mais famoso porque Wellmann tem também o John Thunstone, de perfil muito semelhante.  Mas os três livros que li com “Silver” John, the Balladeer, são uma espécie de romances regionalistas, com pequenos plots policiais ou de guerra entre poderes ocultos.  Na montanha, na floresta, no vale, no rio, nas estradas dos montes Apalaches, John vive esbarrando a toda hora em inimigos à sua altura.


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