sábado, 25 de outubro de 2014

3640) Cantos do "Grande Sertão" (25.10.2014)



(ilustração de Poty para Grande Sertão: Veredas)


Um dos grandes problemas para estudar (e não meramente “ler”) o Grande Sertão: Veredas é que Guimarães Rosa fez dele um texto corrido, direto, sem interrupções, sem separação de capítulos, sem segmentos precedidos de título ou número, sem qualquer tipo de divisão.  Quando vamos citar o livro podemos dar apenas o número da página, que muda de edição para edição. (Em obras clássicas, com numerosas edições, costuma-se citar o capítulo, não a página, que sempre varia.)  O problema não é só com citações, mas também com a necessidade que o leitor tem de memorizar uma sequência, um fio condutor.  Subdivisões ajudam. Quando o livro é contínuo, as palavras passam por nós e se perdem como as águas de um rio incessante.



Uma das tentativas de partir o romance em unidades foi feita por Ariano Suassuna em “Encantação de Guimarães Rosa”, um texto de 1967 recolhido no Almanaque Armorial (org. Carlos Newton Júnior, Ed. José Olympio, págs. 148-149). Diz Ariano que Rosa “entrou instintivamente no grande ritmo épico” e estruturou seu romance ao longo de dez Cantos, como num poema épico, mas sem indicá-los.  Essas dez subdivisões do texto seriam, segundo Ariano:



“O primeiro canto começa no início, tem a lista dos chefes, a descoberta que faz Riobaldo de que é filho bastardo de Selorico Mendes (...) e vai até o começo da traição a Joca Ramiro.   

O segundo canto começa com a luta contra Zé Bebelo sob o comando de Hermógenes e vai até a chegada do chefe guerreiro Sô Candelário.  

O terceiro, vai da espera de Joca Ramiro no É-Já até o julgamento de Zé Bebelo.  

O quarto, pega do episódio da Guararavacã até o Bambual do Boi.  

O quinto, começaria com a nova andança dos jagunços, do Poço até a morte de Medeiro Vaz.   
O sexto, do enterro deste chefe até o primeiro grande ataque aos ‘judas’.  

O sétimo começaria com a grande lista dos cangaceiros, até a fuga de Zé Bebelo do cerco que lhe fora posto por Ricardão.  

 O oitavo iniciar-se-ia com a cena na fazenda de Dodó Ferreira e iria até o pacto de Riobaldo com o Diabo.  

 O nono começaria com a nova força de autoridade de Riobaldo e iria até a travessia do ‘Liso do Suçuarão’.  

 Finalmente, o décimo partiria daí até o desenlace.”


Certamente não é a única divisão possível (qualquer dia comentarei a divisão proposta por Willi Bolle), mas ela indica o modo como tanto um autor quanto um leitor precisam de uma espécie de índice mental para ter a visão do todo.  Dividi-lo em partes tem um fim prático (ajuda a localizar com rapidez um certo trecho) mas também ajuda a perceber e julgar melhor a estrutura da obra, ver como ela se organiza e produz os seus efeitos.


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