O autor que tem intenções sociais, históricas, psicológicas, etc., prepara seu enredo como um laboratorista prepara uma lâmina a ser submetida ao microscópio. Ele tem uma opinião formada sobre o mundo e escreve o romance para ilustrar sua tese, porque admite que a tese sem as ilustrações ficaria chata demais.
Ele narra a história, e opina sobre o que está acontecendo. Conta o que um personagem fez, e logo se detém para explicar as motivações do personagem. Ação e teoria se alternam e se confundem no romance realista, de tese.
Clara dos
Anjos (1948, póstumo) de Lima Barreto conta a história de uma mulatinha
ingênua que se deixa seduzir por um mau-caráter, um pilantra, aquilo que em
Campina se chamava “colecionador de cabaços”. A desgraça se anuncia nas
primeiras páginas e se consuma nas últimas.
Lima Barreto descreve e comenta seus personagens o tempo inteiro. As oficinas literárias nos dizem: “show, don’t tell”, “mostre em vez de dizer”. (Há teóricos que, com bastante fundamento, combatem a ditadura dessa norma, como Wayne C. Booth em The Rhetoric of Fiction, 1961/1983.)
Lima Barreto mostra, mas também diz; era uma característica da literatura de seu tempo, de repisar a “moral da história”, por ver na literatura uma missão educativa, forjadora do caráter, distribuidora de lições de cima pra baixo.
Lima Barreto descreve e comenta seus personagens o tempo inteiro. As oficinas literárias nos dizem: “show, don’t tell”, “mostre em vez de dizer”. (Há teóricos que, com bastante fundamento, combatem a ditadura dessa norma, como Wayne C. Booth em The Rhetoric of Fiction, 1961/1983.)
Lima Barreto mostra, mas também diz; era uma característica da literatura de seu tempo, de repisar a “moral da história”, por ver na literatura uma missão educativa, forjadora do caráter, distribuidora de lições de cima pra baixo.
O livro é ruim?
Pelo contrário, o livro é muito bom. E fica melhor ainda quando (voltando à
imagem inicial) não vemos somente o círculo que o autor nos mostrava, mas somos
capazes de traçar um círculo mais amplo, envolvendo o círculo e o ponto externo
a ele, e ver tudo com mais distanciamento.
Dessa forma o romance absorve, e não rejeita, os comentários de Lima Barreto sobre raça, sobre classe social, sobre a mesquinhez de ambições dos minúsculos funcionários públicos, sobre a calhordice dos filhinhos-de-papai mimados e protegidos, sobre a tragédia da loucura que se abate sobre os indivíduos medianamente talentosos que seu ambiente não é capaz de assimilar, sobre a onipresença da cachaça (a “parati”) como analgésico moral, sobre a paisagem humana do subúrbio carioca, uma mistura de zona rural e cidade (a cidade vai até onde chegam o bonde e o trem).
Dessa forma o romance absorve, e não rejeita, os comentários de Lima Barreto sobre raça, sobre classe social, sobre a mesquinhez de ambições dos minúsculos funcionários públicos, sobre a calhordice dos filhinhos-de-papai mimados e protegidos, sobre a tragédia da loucura que se abate sobre os indivíduos medianamente talentosos que seu ambiente não é capaz de assimilar, sobre a onipresença da cachaça (a “parati”) como analgésico moral, sobre a paisagem humana do subúrbio carioca, uma mistura de zona rural e cidade (a cidade vai até onde chegam o bonde e o trem).
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