(Manuel Bandeira)
No seu livro de memórias literárias Itinerário de
Pasárgada (Global, 2012) Manuel Bandeira comenta os poemas que fez dormindo.
Pode parecer estranho a quem não é poeta, mas se um sujeito que anda de
bicicleta pode sonhar que está bicicletando, o que há de estranho em um poeta
sonhar que está poetando? Ele cita, p. ex., o poema “Palinódia” (no livro Libertinagem, 1930). Diz que sonhou com uns versos, e ao acordar conseguiu
lembrar estes:
Não és prima só
senão prima de prima
prima-dona de prima
- Primeva.
E um pouco dos versos iniciais:
Quem te chamara prima
arruinaria em mim o conceito
de teogonias velhíssimas
todavia viscerais.
Não és prima só
senão prima de prima
prima-dona de prima
- Primeva.
E um pouco dos versos iniciais:
Quem te chamara prima
arruinaria em mim o conceito
de teogonias velhíssimas
todavia viscerais.
E diz: “Para completar o poema, tive que inventar a segunda
estrofe, que não saiu hermética, como a primeira e a terceira. Achei que seria
melhor isso do que fingir obscuridade, coisa que jamais pratiquei. É verdade
que tentei o ditado do subconsciente, segundo a receita ‘surréaliste’
(fracassei, como sempre)”.
É bom ouvir isso de Bandeira, cuja poesia lindamente espontânea esconde um trabalho rítmico e sonoro tão minucioso quanto o de João Cabral, embora dê menos na vista, porque é mais integrado (eu diria “mimetizado”), aos ritmos e sons da fala cotidiana, incluindo-se aí a fala carregada de emoção.
É bom ouvir isso de Bandeira, cuja poesia lindamente espontânea esconde um trabalho rítmico e sonoro tão minucioso quanto o de João Cabral, embora dê menos na vista, porque é mais integrado (eu diria “mimetizado”), aos ritmos e sons da fala cotidiana, incluindo-se aí a fala carregada de emoção.
A segunda estrofe, inventada lucidamente pelo poeta, diz:
Naquele inverno
tomaste banhos de mar
visitaste as igrejas
(como se temesses morrer sem conhecê-las todas)
tiraste retratos
enormes
telefonavas telefonavas...
hoje em verdade te digo
que não és prima só / ... etc.”.
Fico imaginando se esse poema não teria a ver (tal como o “Lutador”, do livro Belo Belo) com sua prima Maria do Castro do Cristo Rei, que era monja carmelita. Trata-se, afinal, de um poema sobre uma prima, com referências religiosas (“teogonias”, “igrejas”).
Naquele inverno
tomaste banhos de mar
visitaste as igrejas
(como se temesses morrer sem conhecê-las todas)
tiraste retratos
enormes
telefonavas telefonavas...
hoje em verdade te digo
que não és prima só / ... etc.”.
Fico imaginando se esse poema não teria a ver (tal como o “Lutador”, do livro Belo Belo) com sua prima Maria do Castro do Cristo Rei, que era monja carmelita. Trata-se, afinal, de um poema sobre uma prima, com referências religiosas (“teogonias”, “igrejas”).
A leitura que posso fazer dele agora, obviamente depois de municiado com informações do próprio autor, é que o poeta se dirige a uma prima observando que durante um certo inverno os dois pareceram mais próximos, porque a prima não apenas teve uma vida social mais intensa (indo à praia, visitando igrejas, tirando fotos) como porque ela também lhe telefonava o tempo todo. Há uma relação indiscutível de afeto entre o poeta e a inspiradora do poema, que o faz remontar à própria origem dos deuses (teogonia) e do homem, porque ela é a “prima Eva”.
Um comentário:
Será que já existiu um livro que retrate de maneira verdadeira um sonho, seja ele, de ficção ou de poesia. Todo mundo fala do último livro de Joyce. O Antony Burgues até mesmo chegou falar que retrata como ninguém um sonho. Eu mesmo não li e nem sei. A literatura fantastica sempre anda tentando, mas, quando eu vejo um escritor que não escreve ficção cientifica, terror, fantasia, e se aventura nessa de querer contar uma história onirica, eu sempre vejo de um modo mais verdadeiro. O que dizem parece que, retratar de uma forma mais sutil. Muito das vezes nem precisa tanta bizarrice, e aí que entra esses escritores, eles deixam pra fora um pouco de maluquices e retratam algo rotineiro de modo que, somente mesmo poderia acontecer no escrito.
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