sexta-feira, 17 de setembro de 2010

2348) “Pesquisas sobre a sexualidade” (16.9.2010)



Adolescentes se reúnem num terraço, numa noite de sábado, tomando cerveja. Alguém propõe: “Vamos jogar o Jogo da Verdade!”. Arrumam-me em círculo e sorteiam um deles, que jura responder as perguntas dos outros dizendo somente a verdade. O mais interessante é que nessas brincadeiras ninguém pergunta se ele colou na prova, ou se já furtou dinheiro dos pais, ou se já fumou maconha. Perguntam sobre sexo. “Você já fez sexo oral?...” E antes mesmo da resposta todos riem: kkkkkkkkk...

Não sabem, mas estão praticando um dos muitos jogos que o grupo Surrealista praticou em Paris na década de 1920, sob a batuta de gênios da poesia como André Breton e Paul Éluard. Os Surrealistas não sorteavam os respondedores, mas promoviam reuniões em que faziam perguntas, sobre as respectivas vidas sexuais, que tinham de ser respondidas por todos com franqueza absoluta. Não era preciso jurar. A ética surrealista, a paixão surrealista, o fulgor surrealista que os iluminava fazia com que essa franqueza não fosse um problema, e sim uma forma de êxtase, de exaltação. Outros tempos.

Doze dessas reuniões (entre janeiro de 1928 e agosto de 1932) foram registradas por escrito. Duas delas foram publicadas na revista oficial do movimento, La Révolution Surrealiste, sob o título geral de “Recherches sur la sexualité”. Anos depois, as anotações manuscritas das doze sessões foram encontradas nos arquivos pessoais de André Breton e publicadas sob o mesmo título, com organização de José Pierre (Ed. Gallimard, 1990). A edição que li é uma tradução inglesa, sob o título Investigating Sex – Surrealist Discussions 1928-1932 (Verso, 1992). Entre os participantes estão Breton, Éluard, Max Ernst, George Sadoul, Man Ray, Antonin Artaud, Louis Aragon, Yves Tanguy, Jacques Prévert, Benjamin Péret, etc. Entre as mulheres (uma previsível minoria), Nusch Éluard, Jeannette Tanguy, Katia Thirion, Simone Vion e outras. A maioria deles participa apenas de poucas sessões; Breton é o único que está presente em todas.

Os Surrealistas discutem sexo e amor por todos os ângulos, falam de perversões, de fantasias, discutem a mecânica do orgasmo, a diferença entre o gozo do homem e o da mulher. Interrogam-se sobre os aspectos quantitativos das relações sexuais, discutem sonhos eróticos, questionam-se sobre sexo coletivo, homossexualismo, masturbação, infidelidade, íncubos e súcubos... O conceito de “Amor Louco” (“amour fou”), que tanto exploraram na poesia, no romance e no cinema, surge insistentemente. O conceito de amor surrealista era o sonho de encontrar, como disse Rimbaud, “a verdade num só corpo e numa só alma”. O amor era “um fato manifesto que nada fizemos para produzir e que, num dia específico e diante de um rosto específico, encarnou-se misteriosamente”. Ou, como disse Aragon: “O milagre: como pensar no que não é o milagre quando o milagre está em seu vestido noturno?”.

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