domingo, 8 de agosto de 2010

2315) Darcy e Feynman (8.8.2010)





Reparei um dia destes que nesta coluna vivo a falar elogiosamente de Richard Feynman, dizendo que é um dos sujeitos mais inteligentes que já vi. Não retiro uma vírgula, mas acho engraçado que eu nunca tenha me dado o trabalho de dizer o mesmo sobre um cara que mora metaforicamente aqui na esquina. 

Darcy Ribeiro, sob muitos aspectos, é o Feynman brasileiro. Fãs de um e fãs do outro hão de erguer agora, respectivamente, a sobrancelha esquerda e a direita, diante desta leve heresia. Não pode haver uma dupla de cidadãos mais dessemelhantes. 

Darcy era mineiro, foi simpatizante do comunismo, estudou etnologia, viveu dez anos entre os índios, tornou-se educador, fundou a Universidade de Brasília, viveu no exílio, foi vice-governador do Estado do Rio. 

Feynman era um norte-americano, filhos de judeus de ascendência polaca; trabalhou em pesquisas de energia atômica, ganhou um Prêmio Nobel de Física. O que têm em comum?

Basta ver as imagens dos dois falando (vocês pensam que o YouTube só serve pra ouvir música?) que qualquer pessoa percebe. Feynman e Darcy eram dois faladores compulsivos, incessantes. Alguém disse uma vez que para conseguir uma entrevista completa com Darcy bastava dizer: “Boa tarde, professor Darcy”, e ele começava: “Boa tarde, aliás uma belíssima tarde, típica da civilização tropical que o Brasil está construindo para o terceiro milênio, porque o choque das raças ocorrido neste território...”, e ia embora numa banguela de uma hora e meia. 

Darcy falava rápido como uma metralhadora; Feynman mais lentamente, mas talvez seja porque as imagens dele a que temos acesso já são dos seus últimos dez anos, durante sua queda-de-braço final contra o câncer. Mas, mais do que falar, ambos eram sujeitos ligados o tempo todo. Pense em dois cérebros com todas as luzes acesas! 

Darcy e Feynman são a prova viva, por exclusão, da teoria de Colin Wilson de que nós, seres humanos, somos todos zumbis, passamos a vida quase toda no piloto automático.

Senso de humor é outra característica dos dois. Não o senso de humor blasé e egoísta tão em moda nos nossos círculos pseudo-intelectuais, mas um senso de humor de quem se diverte com a estupidez humana sem deixar de se comover com o destino humano. E sem perder o afeto pelos humanos à sua volta, principalmente se forem só humanos, sem títulos, cargos ou posses.

Outro traço em comum: eram questionadores inveterados, indivíduos que nunca tiveram papas na língua, nem medo de contradizer, desafiar ou desmentir qualquer autoridade, por maior que fosse, que tivesse a infelicidade de dizer uma bobagem na sua frente. E o faziam com um sorriso divertido no rosto, sem rancor, sem agressividade, usando apenas a maior arma do intelecto: a verdade dos fatos. 

Usando apenas isto, incomodaram muita gente, enfrentaram tempestades administrativas e políticas, pagaram caro muitas vezes pela sua honestidade intelectual, e fizeram um enorme bem aos países onde atuaram.





2 comentários:

Luiz Neves de Castro disse...

Braulio, para entender a mente prodigiosa de Richard P. Feynman, um dos maiores gênios do nosso tempo, estou lendo: Física em Seis Lições do próprio Feynmam, O Enigma do Tempo e A Mente de Deus de Paul Davies e O Arco-Íris de Feynman de Leonard Mlodinow.

Jeferson Cardoso disse...

Comentando enquanto leio: Sim, Feynman e Darcy. (Colin Wilson apresentou uma teoria bastante interessante). Belo conceito de humanismo você expôs aqui, Bráulio.
Gostei do que li. Ambos me pareceram personalidades únicas e distintas, porém de caráter semelhante. Darcy me é mais familiar, mesmo assim a postagem me colocou atento ao que vier sobre Feynman.
Sabe, Bráulio, sou um cara bem simples, como fica claro quando escrevo. Tenho um blog. Quero lhe convidar para que leia algo nele. Pode ser que não goste. Aceito críticas. Será um prazer lhe receber se um dia passar por lá. Abraço!

Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com