domingo, 28 de março de 2010

1838) Dürer e o rinoceronte (29.1.2009)





Talvez o leitor já tenha visto alguma reprodução desta famosa gravura de Albrecht Dürer, feita por volta de 1515. Aparece com frequência em revistas, posters, capas de livros, e mostra um volumoso rinoceronte reproduzido com riqueza de detalhes e de imaginação. 

A gravura tem uma história tão fantasiosa que parece inventada. O rinoceronte foi dado de presente pelo Sultão de Gujarat a Alfonso de Albuquerque, que era o governador das Índias no tempo do império português. O governador repassou o presente para o Rei de Portugal, Dom Manuel I, e o paquiderme foi embarcado num navio de especiarias, rumo a Lisboa.

Ali chegando, causou sensação, como era de se esperar. Era no auge da riqueza de Portugal, e os soberanos da época gostavam de espetáculos radicais. Dom Manuel botou o rinoceronte para brigar, diante da corte, com um elefante que ele havia ganho algum tempo antes. Reza a lenda que o elefante bateu em retirada sem querer enfrentar o “quindim” do rei. 

Logo depois, Dom Manuel mandou o rinoceronte de presente ao Papa Leão X. De passagem por Marselha, o navio fez uma parada para que a fera fosse vista e admirada pelo Rei da França, Francisco I. Logo em seguida, foi colhido por uma tempestade e foi a pique; o rinoceronte estava acorrentado e não pôde escapar.

Baseando-se em desenhos e relatos por escrito, Albrecht Dürer fez essa gravura. Ela é uma notável obra de arte e ao mesmo tempo um “caveat”, um sinal de alarme para que sempre vejamos com desconfiança os relatos alheios, por mais honestos e bem intencionados que possam ser. 

Dürer, guiando-se pelos testemunhos de terceiros, produz um animal cheio de adornos fantasiosos. A pele coriácea do animal (de onde vem a designação “paquiderme”, “pele grossa”) foi substituída por placas que parecem de armadura, e que em alguns trechos imitam, com suas subdivisões geométricas, o casco de uma tartaruga. As pernas são cobertas de escamas, detalhe totalmente fantasioso. 

Na verdade, Durer, conscientemente ou não, reproduz no animal detalhes que lembram as armaduras e as cotas-de-malha dos guerreiros da época. É uma espécie de linguagem metafórica levada ao pé da letra.

Outro aspecto interessante é que olhando com cuidado a gravura de Dürer não há como não reconhecer nela um certo toque “manuelino” em termos de estilo, como se o artista holandês tivesse inconscientemente se deixado influenciar pelo estilo arquitetônico que os portugueses estavam criando. O animal é tão enfeitado quanto a Torre de Belém (em cujo museu, hoje, há uma reprodução da gravura de Dürer, pois foi nesse local, durante a construção da Torre, que ele ficou preso na sua passagem por Lisboa). 

Por trezentos anos, manuais científicos usaram a fantasia de Dürer como se se tratasse de um retrato cientificamente exato, o que mostra o poder das lendas, das fantasias e das modas estéticas.



3 comentários:

Brontops Baruq disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Brontops Baruq disse...

" Diz o texto sob a gravura de Dürer: “No dia 1º de maio de 1513 foi trazido da India para Lisboa, como oferta para o grande e poderoso rei Manuel de Portugal, um animal vivo chamado rinoceronte. Sua forma é aqui representada. Ele tem a cor de uma tartaruga salpicada e é coberto por grossas escamas. É semelhante a um elefante em tamanho, mas de pernas mais curtas e é quase invunerável. Tem um forte e afiado chifre sobre o seu nariz, que ele afia nas pedras. O estúpido animal é, do elefante, o inimigo mortal. O elefante tem muito medo dele pois, quando se encontram, o rinoceronte corre com a cabeça abaixada entre as pernas dianteiras do animal e rasga-lhe o estômago com seu chifre, estrangulando-o, de modo que o elefante não pode se defender. Por ser este animal tão bem armado, não há o que o elefante possa fazer contra ele. É também dito que o rinoceronte é rápido, impetuoso e astuto." "

O rei decidiu enviar o rinoceronte ao Papa, precisava de seus favores para resolver questões quanto às rotas comerciais de especiarias, e o embarcou em um navio para Roma. Um naufrágio na costa da Ligúria acabou por encerrar a jornada do rinoceronte. Mas não a de seu corpo. A carcaça do animal foi retirada da água (como?), empalhada e enviada a Roma. Dürer nunca viu o animal vivo nem morto: teria feito sua xilogravura a partir de um esboço feito em uma carta enviada pelo gravurista e tipógrafo Valentim Fernandes.

(...)

Há quem sugira que o esboço de Fernandes tivesse sido do animal vestido com uma armadura de batalha, com o bicho pronto para enfrentar o elefante. Existe quem afirme que as marcas sobre o couro do animal seriam de uma dermatite provocada durante a viagem de quatro meses dentro de um navio até Portugal.

(...)

Uma outra gravura feita por Hans Burgkmaier era mais fidedigna à criatura, mas jamais foi tão popular quanto a de Dürer. Enquanto resta uma única cópia da gravura de Burgkmaier, a base de madeira de Dürer foi usada tantas e tantas vezes que sinais de cupins começaram a marcar as gravuras."

Berna disse...

Olá Braulio!
Quero lembrar aqui que Dürer nasceu em Nürnberg,na Alemanha e nao na Holanda.
Bebeta.